Uma História de Vida e Legado: Lilia Katri Moritz Schwarcz na Academia Brasileira de Letras

Floriano Pesaro, sociólogo

Estive presente na noite do dia 14 de junho de 2023, na posse de Lilia Katri Moritz Schwarcz como imortal na Academia Brasileira de Letras (ABL), um evento repleto de emoções e marcado pela presença de artistas, escritores, acadêmicos e políticos. A cerimônia foi prestigiada por muitas figuras ilustres, tornando-a uma experiência única e memorável. Foi emocionante testemunhar esse momento especial e ouvir o discurso de Rosiska Darcy de Oliveira, que contou de maneira tocante e detalhada a história de vida de Lilia. “O acaso tem sempre a última palavra”. Essa frase de Simone de Beauvoir, evocada por Rosiska Darcy de Oliveira no discurso de recepção da Lilia Schwarcz na ABL, ressoa profundamente enquanto traçamos os caminhos que levaram minha prima Lili a ocupar a cadeira número 9 desta ilustre instituição. A trajetória de Lili é uma narrativa rica e inspiradora, permeada de desafios, superações e um compromisso inabalável com a história e a justiça.

Trajetória de Vida

Lilia Katri Moritz Schwarcz é uma das principais historiadoras e antropólogas do Brasil, professora da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Sua eleição para a ABL foi marcada por seu compromisso com a historiografia e a antropologia brasileiras. Ela publicou mais de 30 livros sobre a história do Brasil, focando especialmente nas desigualdades raciais e de gênero que marcaram o país ao longo dos séculos. Lilia tomou posse na cadeira número 9 da ABL, anteriormente ocupada pelo diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva, falecido em novembro de 2023. Sua eleição reafirma o compromisso da ABL em promover figuras de grande relevância para a literatura e a cultura brasileiras.

Origens Judaicas e Vida Modesta

A trajetória de Lilia é também marcada por sua rica herança judaica. Seus avós, Armand Henri Moritz e Gemma Coen Camerini, fugiram da Europa durante os turbulentos anos 30, buscando refúgio no Brasil devido à crescente ameaça nazista. A família Camerini, precavida, deixou Milão trazendo consigo móveis, tapetes e muitos livros, simbolizando a importância do conhecimento e da cultura em suas vidas. Aqui entram os laços familiares entre mim e Lili: meus avós paternos, Gabriella Coen Pesaro – irmã de Gemma – e Humberto Pesaro, também vieram para o Brasil, partindo de Milão, nas mesmas condições e no mesmo período histórico. Eles, assim como os avós de Lilia, enfrentaram desafios significativos ao reconstruir suas vidas em um novo país, trazendo consigo uma herança rica em cultura e valores que moldaram nossa família.

Desembarcaram em Santos e se estabeleceram na cidade de São Paulo, onde recomeçaram suas vidas de forma modesta. Armand Henri Moritz, juntamente com sua esposa Margot e seus filhos Ernest Sigmund e Hella, enfrentaram as dificuldades típicas de imigrantes, mas conseguiram reconstruir sua vida com dignidade e trabalho árduo. Ernest Sigmund Moritz, pai de Lilia, e Elena Camerini, mãe de Lilia, representaram essa continuidade de resiliência e dedicação à educação e aos valores familiares.

Lilia cresceu em um ambiente que valorizava a educação e a liberdade. Seus pais, preocupados com a influência da ditadura militar no sistema educacional brasileiro, escolheram para ela uma escola pública experimental, o Ginásio Vocacional. Nesse ambiente, Lilia aprendeu a pensar de forma independente e a valorizar a liberdade, o que, combinado com um ambiente familiar culto e cosmopolita, a moldou como uma criança de espírito aberto e questionador.

Contribuições Acadêmicas e Sociais

Lilia é conhecida por suas análises profundas sobre o Brasil Império e questões raciais. Em seu discurso, ela destacou a importância da representatividade feminina na ABL, sendo apenas a 11ª mulher a se tornar “imortal” na história da instituição. Entre os convidados para a posse, estavam a ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, o Presidente do BNDES, Aloizio Mercadante e o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida.

A historiadora tem se dedicado a iluminar zonas de sombra de nosso passado, trazendo à tona questões frequentemente negligenciadas pela história oficial. Suas obras, como “Imagens da Branquitude: A Presença Ausente”, destacam a invisibilidade da branquitude como norma e a necessidade de uma consciência antirracista ativa.

Herança Familiar e Impacto Pessoal

A trajetória de Lilia é também um reflexo de nossa herança familiar de resiliência e busca pelo conhecimento. Nossos avós enfrentaram os desafios da diáspora judaica, encontrando em São Paulo um novo começo e um solo fértil para reinvestir suas energias e talentos.

A posse de Lilia na ABL não é apenas um reconhecimento de sua brilhante carreira, mas também um testemunho do legado de nossa família e de todos aqueles que, como nós, encontraram no Brasil um lar e uma oportunidade para reconstruir suas vidas. Sua dedicação, inteligência e coragem são uma inspiração para todos nós. Que sua trajetória continue a iluminar o caminho para uma sociedade mais justa e igualitária, onde o conhecimento e a justiça prevaleçam.

Fica consignado neste artigo meu respeito, admiração e minha gratidão por toda a sua obra acadêmica e enfrentamento das questões sociais mais difíceis e enraizadas no Brasil, tais como as questões de gênero e especialmente racial.

Parabéns, Lilia, por essa conquista merecida e por tudo que você representa.

Tribuna – A perspectiva histórica do conflito judaico-palestino

Floriano Pesaro, sociólogo

O conflito entre judeus e palestinos é uma das questões mais complexas e prolongadas do cenário internacional. Suas raízes profundas se entrelaçam com a história, a religião e a política, envolvendo uma luta pela terra que ambos os povos consideram sua. Este artigo busca analisar o conflito a partir de uma perspectiva histórica, considerando a visão sionista e a criação do Estado de Israel.

As Origens Históricas

A presença judaica na Terra de Israel remonta a milhares de anos, com registros bíblicos que datam do século XIII a.C. A região, conhecida como Canaã, foi habitada pelos hebreus, que formaram os reinos de Israel e Judá. Ao longo dos séculos, a terra foi conquistada por diversos impérios, incluindo os babilônios, persas, gregos e romanos. Em 70 d.C., após a destruição do Segundo Templo de Jerusalém pelos romanos, começou a diáspora judaica, dispersando os judeus por diversas partes do mundo.

O Movimento Sionista

O movimento sionista surgiu no final do século XIX como uma resposta ao crescente antissemitismo na Europa. Liderado por figuras como Theodor Herzl, o sionismo defendia o retorno dos judeus à sua terra ancestral e a criação de um estado judeu. Herzl, em sua obra “Der Judenstaat” (O Estado Judeu), escreveu: “Se vocês o quiserem, não será um sonho.” A primeira conferência sionista em 1897, em Basileia, na Suíça, marcou o início oficial do movimento. Herzl e outros líderes sionistas acreditavam que a solução para a questão judaica residia na autodeterminação nacional em uma pátria própria.

A Declaração de Balfour e o Mandato Britânico

Em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, o governo britânico emitiu a Declaração de Balfour, prometendo apoiar o estabelecimento de um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina. Após a guerra, a Liga das Nações conferiu à Grã-Bretanha o mandato sobre a Palestina, com o objetivo de implementar a declaração. A imigração judaica para a Palestina aumentou significativamente, especialmente devido às perseguições na Europa.

A Tensão entre Judeus e Árabes

A imigração judaica e a compra de terras pelos judeus levaram ao aumento das tensões com a população árabe local. Revoltas árabes ocorreram em 1920, 1921 e 1929, culminando na Grande Revolta Árabe de 1936-1939. Os árabes palestinos se opunham à criação de um estado judeu e temiam a perda de sua terra e identidade. Em resposta, os britânicos limitaram a imigração judaica, especialmente durante os anos do Holocausto, o que gerou grande frustração entre os sionistas.

A Criação do Estado de Israel

A tragédia do Holocausto, onde seis milhões de judeus foram assassinados pelos nazistas, reforçou a necessidade de um estado judeu. Em 1947, a ONU propôs um plano de partição para a Palestina, dividindo a terra em estados judeu e árabe. Os líderes sionistas aceitaram o plano, mas os líderes árabes e palestinos o rejeitaram. Em 14 de maio de 1948, David Ben-Gurion proclamou a independência de Israel, afirmando: “O sonho de gerações se tornou uma realidade.” No dia seguinte, uma coalizão de países árabes invadiu o novo estado, iniciando a Guerra de Independência.

As Guerras Árabe-Israelenses

Israel conseguiu se defender e expandiu suas fronteiras além das previstas pelo plano da ONU. Nos anos seguintes, ocorreram várias guerras entre Israel e os países árabes, incluindo a Guerra de Suez (1956), a Guerra dos Seis Dias (1967) e a Guerra do Yom Kippur (1973). Cada conflito resultou em mudanças territoriais e um aumento na complexidade do conflito.

O Processo de Paz e os Desafios Contemporâneos

Desde os anos 1970, houve várias tentativas de paz. O Tratado de Paz entre Israel e Egito em 1979, e entre Israel e Jordânia em 1994, foram marcos significativos. Contudo, o conflito com os palestinos permanece sem solução. A assinatura dos Acordos de Oslo em 1993 trouxe esperanças de uma solução de dois estados, mas a violência continuou.

A Perspectiva Sionista

Para os sionistas, a criação de Israel é a realização de um sonho milenar de retorno à terra ancestral. Israel é visto como um refúgio seguro para os judeus, especialmente após o Holocausto. David Ben-Gurion, primeiro-ministro de Israel, afirmou: “Em Israel, para ser realista, você deve acreditar em milagres.” A defesa do estado judeu é considerada essencial para a sobrevivência e a segurança do povo judeu. Além disso, Israel é um exemplo de democracia e desenvolvimento no Oriente Médio, contribuindo significativamente para a ciência, tecnologia e cultura mundial.

Conclusão

O conflito judaico-palestino é complexo e multifacetado, enraizado em uma longa história de reivindicações territoriais e identitárias. A perspectiva sionista vê a criação de Israel como um ato de justiça histórica e uma necessidade para a segurança do povo judeu. A paz duradoura exige reconhecimento mútuo, negociações honestas e um compromisso genuíno com a coexistência pacífica.

Tribuna – Confrontando a guerra de comunicação

Floriano Pesaro, sociólogo

Na complexa dinâmica do conflito israelo-palestino, Gary Wexler, comunicador recentemente homenageado pela Biblioteca Nacional de Israel com a criação do Arquivo Gary Wexler, uma história de 20 anos da vida judaica contada através de campanhas publicitárias que ele criou para organizações judaicas nos EUA, Canadá e Israel, nos faz reflexões sobre a luta por influenciar corações e mentes nas esferas acadêmicas, políticas e culturais em escala global. As estratégias de comunicação são essenciais e revelam uma clara dualidade: de um lado, uma campanha palestina meticulosamente orquestrada; do outro, uma resposta frequentemente descoordenada e reativa por parte das organizações judaicas. Este artigo se aprofunda nas táticas de ambos os lados e propõe abordagens mais eficazes para a comunicação pró-Israel e pró-judaica.

A abordagem palestina demonstra uma compreensão aprofundada de como moldar a opinião pública. Iniciativas como o BDS e a Semana do Apartheid Israelense visam não apenas isolar economicamente Israel, mas também retratá-lo como um estado pária no cenário global, ressoando profundamente em um mundo cada vez mais sensível aos direitos humanos. Estas campanhas são projetadas para maximizar empatia e apoio, particularmente entre a juventude ocidental, e são baseadas em narrativas que, embora contestáveis, são altamente eficazes.

Por outro lado, as respostas de organizações judaicas e israelenses às campanhas palestinas têm sido caracterizadas pela fragmentação e falta de coerência. É necessária uma estratégia comunicativa unificada, algo frequentemente ausente nas ações dessas organizações, que tendem a ser reativas em vez de estratégicas. Esta reatividade indica um descompasso com as técnicas modernas de comunicação que enfatizam a criação de narrativas envolventes e apelativas emocionalmente.

A comunicação eficaz deve transcender a mera transmissão de fatos e conectar-se emocionalmente com as audiências, evocando valores e aspirações compartilhadas. Esse aspecto emocional é vital, especialmente em um contexto onde as percepções públicas são frequentemente moldadas por histórias pessoais e testemunhos que geram respostas emocionais imediatas.

Incidentes podem ser transformados em poderosos símbolos de resistência e injustiça.

Para melhorar a comunicação judaica e israelense, é essencial centralizar esforços para criar uma plataforma coesa que ofereça uma narrativa consistente e atraente. Também é crucial inspirar-se no sucesso das campanhas palestinas para desenvolver projetos que proativamente estabeleçam a narrativa israelense no discurso global.

Além disso, é fundamental investir na capacitação de comunicadores e na criação de conteúdos que sustentem campanhas de longo prazo e se adaptem às dinâmicas do ambiente de mídia global. Incorporar histórias humanas que ilustrem a complexidade e a humanidade do povo israelense também é vital para oferecer uma contranarrativa às descrições frequentemente unilaterais predominantes na mídia.

A guerra de comunicação no conflito israelo-palestino é um campo onde se vencem ou perdem corações e mentes internacionalmente. As comunidades judaicas e israelenses podem usar suas capacidades comunicativas não apenas para se defender, mas para proativamente promover suas perspectivas e realidades. Reconhecendo os desafios e implementando estratégias focadas e inovadoras, aspira-se não apenas a combater narrativas adversas, mas a fomentar uma compreensão mais profunda e equilibrada de Israel e de sua luta.

Tribuna – O Discurso do Senador

Floriano Pesaro, sociólogo

“Devemos lutar contra o terrorismo como se não houvesse processo de paz, e devemos buscar a paz como se não houvesse terrorismo.” Yitzhak Rabin, ex-Primeiro-Ministro de Israel, em sua última aparição pública antes de ser assassinado em 1995

“Não procuro tomar territórios de ninguém nem tomar o que foi dado aos outros por Deus. Busco mais do que qualquer coisa começar o processo de construção de uma paz permanente com base na justiça.” Anwar El-Sadat, Presidente do Egito, que em 1977 se tornou o primeiro líder árabe a visitar oficialmente Israel, sinalizando um movimento em direção à paz entre os dois países.

Diante do cenário de conflitos e tensões que marcam a longa história entre Israel e Palestina, o discurso do Senador Chuck Schumer, líder da maioria democrata no Congresso Americano, proferido em 14 de março de 2024, emerge como um farol de esperança e razão. Sua fala, além de ser um testemunho pessoal de compromisso com a paz, destaca a urgência de encontrar soluções sustentáveis que garantam a coexistência pacífica e a prosperidade mútua de duas nações.

Schumer, com suas raízes profundas na comunidade judaica americana, não apenas fala como um político, mas como alguém cuja própria história está entrelaçada com a do Estado de Israel. Ele evoca a memória do Holocausto e a luta histórica do povo judeu para estabelecer um lar seguro em Israel, ressaltando a importância de proteger essa conquista contra ameaças internas e externas.

A lembrança dos ataques terroristas de 7 de outubro, perpetrados pelo Hamas, serve como um ponto de inflexão em seu discurso. Esses atos de violência brutal, que vitimaram civis, incluindo cidadãos americanos, são retratados por Schumer não apenas como ataques contra Israel, mas como uma afronta aos valores humanitários compartilhados pela comunidade global. A maneira como ele descreve seu encontro com as famílias das vítimas — o luto compartilhado e a dor indizível — humaniza o conflito, lembrando-nos que, no cerne desta tragédia, estão histórias de indivíduos e famílias despedaçadas pela violência.

Schumer não se limita a condenar a violência perpetrada pelo Hamas; ele também se volta para dentro, criticando as políticas e práticas que, em sua visão, obstruem o caminho para a paz. O Senador identifica quatro obstáculos principais: o terrorismo do Hamas, o extremismo de direita em Israel, a intransigência da liderança palestina, e políticas do governo israelense que alimentam a divisão e o conflito. Ao fazer isso, Schumer adota uma postura equilibrada, reconhecendo que a responsabilidade pelas tensões atuais, apesar da agressão inaceitável ter partido do Hamas, é, hoje, compartilhada e que concessões dolorosas são necessárias de ambas as partes para alcançar a paz.

Schumer evoca a inspiração de líderes históricos que, contra todas as adversidades, se comprometeram com a paz. Ele relembra David Ben-Gurion, Yitzhak Rabin e Ehud Barak, destacando seus esforços e sacrifícios na busca pela paz com os palestinos. Do lado palestino, ele menciona Salam Fayyad, cuja liderança responsável buscou a condenação da violência e a construção de um futuro pacífico. Entre os líderes árabes, Anwar El-Sadat e King Hussein bin Talal são citados como exemplos de coragem e visão na busca pela paz com Israel.

Afinal, a ausência de busca pela paz neste conflito pouco, ou nada, tem trazido de positivo a Israel: os reféns continuam sob poder dos terroristas; as baixas civis não cessam; o antissemitismo no mundo recrudesce ameaçando a todos em toda a parte; e a comunidade internacional começa a se voltar contra Israel e seu governo.

Além disso, Schumer destaca o papel crucial da comunidade internacional e, especialmente, dos Estados Unidos na mediação do conflito. Ele defende um aumento na ajuda humanitária para Gaza e exorta os aliados de Israel a promoverem uma solução pacífica, enfatizando a necessidade de ambas as partes fazerem concessões significativas para viabilizar uma solução de dois estados.

Ao concluir, Schumer nos convida a imaginar um futuro onde israelenses e palestinos possam compartilhar a terra em paz e prosperidade. Este discurso é um poderoso lembrete de que a busca pela paz é uma responsabilidade coletiva que exige não apenas a rejeição do ódio e do extremismo, mas também um compromisso inabalável com os valores de dignidade, segurança e prosperidade para todos.

Em tempos dificeis, o melhor remédio é o diálogo

Floriano Pesaro, sociólogo.

A História da humanidade, desde que as sociedades foram documentadas, é permeada por desentendimentos, discussões, disputas e, finalmente, conflitos. Contudo, é na capacidade do diálogo e do entendimento que reside a esperança. A nossa jornada como sociedade nos mostra que não teríamos alcançado nosso atual estado de desenvolvimento — com avanços significativos em tecnologia, medicina e as ciências sociais — se estivéssemos num estado conflituoso permanente. Um exemplo desta tese é o Tratado de Westfália, de 1648, que encerrou a Guerra dos Trinta Anos na Europa através do diálogo e marcou o início do sistema de estados soberanos.

Apesar de honroso e fundamental, o diálogo nem sempre é bem quisto num primeiro momento, especialmente em situações dolorosas que suscitam as emoções mais intrínsecas ao ser humano. Voltando no tempo, a história de Moisés, conforme narrada na Torá, especialmente no livro do Êxodo, outro exemplo, ilustra como o diálogo pode ser uma ferramenta poderosa mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras e improváveis.

Crescido com privilégios no seio da família do faraó, Moisés nunca esqueceu suas raízes judaicas. Ao testemunhar a injustiça e o sofrimento de seu povo, optou pelo diálogo persistente e pela negociação ao invés da violência, negociando a libertação dos israelitas com habilidade diplomática.

Moisés negociou com o faraó a saída dos israelitas do Egito. O diálogo entre Moisés e o faraó é marcado por repetidas recusas do faraó em liberar os israelitas, seguidas por uma série de pragas que assolaram o Egito.

Moisés, a mando de Deus, aproxima-se do faraó com a demanda de que os israelitas fossem libertados para adorar a Deus no deserto. A famosa frase “Deixe meu povo ir” resume o pedido de Moisés ao faraó. O faraó, cujo coração é endurecido (uma expressão usada várias vezes no texto para descrever a recusa do faraó em atender ao pedido), nega essa liberdade repetidamente.

Após cada recusa do faraó, uma praga é enviada sobre o Egito. São dez pragas no total, cada uma mais severa que a anterior, afetando desde as águas do Nilo, transformando-as em sangue, até a chegada da morte dos primogênitos egípcios.

Após a décima praga, a morte dos primogênitos, o faraó finalmente cede e ordena que Moisés leve os israelitas para fora do Egito. No entanto, depois de liberá-los, o faraó muda de ideia e persegue os israelitas até o Mar Vermelho, onde Moisés, por intervenção divina, abre o mar para que os israelitas passem, e o mar se fecha sobre o exército egípcio o destruindo.

Estes episódios e a subsequente libertação dos israelitas são centrais para a fé judaica, celebrados anualmente durante a Páscoa judaica, ou Pessach, que comemora justamente a libertação dos israelitas da escravidão no Egito.

Haja vista esta escravidão a qual o povo judeu estava submetido, Moisés poderia ser instado a imediatamente deixar seus privilégios faraônicos e se juntar ao seu povo numa luta armada, que muito provavelmente os levariam a mais sofrimento. No entanto, em vez de optar por métodos violentos ou confrontacionais, Moisés escolheu o caminho do diálogo e da negociação e da fé.

Ele teve coragem de abrir um diálogo firme e persistente com o faraó com habilidade diplomática ao negociar a libertação dos israelitas. Moisés não apenas defendeu seu povo, mas também buscou soluções para alcançar seus objetivos. Seu diálogo com o faraó foi crucial, pois ele procurou convencê-lo a libertar os judeus através de argumentos persuasivos e pragmáticos, ao invés de apenas recorrer à força.

Mais recentemente, a assinatura dos Acordos de Paz de Oslo em 1993, entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), é outro exemplo de como o diálogo pode levar a avanços significativos para a paz, mesmo que esses acordos ainda enfrentem desafios para sua plena implementação.

Recentes declarações políticas têm mostrado como temas sensíveis podem desencadear reações fortes dentro das comunidades. Minha resposta imediata a tais declarações não foge à retidão intelectual e ao compromisso com a comunidade, tampouco visa inflamar mais as tensões, mas reiterar minha convicção na busca pela paz e no diálogo como o caminho para alcançá-la.

É importante reconhecer que a Shoá é um evento único na história, com seu horror e motivações incomparáveis. Qualquer equívoco na comunicação pode levar a mal-entendidos e ofensas profundas.

A Shoá, a eliminação em massa de judeus por um aparato estatal voltado tão somente à aniquilação dessa população, foi um evento único na História, o momento mais abjeto da humanidade, quando a desumanização adubou a barbárie.

Havia uma burocracia estatal voltada à eliminação de uma determinada população com campos de concentração, marcação de pessoas e, até mesmo, rotas ferroviárias exclusivas para transporte de pessoas à morte.

Experimentos pseudocientíficos brutais e câmaras de gás marcaram o momento de maior proximidade dos humanos com o exercício banal do mal.

A oportunidade para o diálogo nunca deve ser subestimada. Mesmo diante de comparações incabíveis de um trauma para toda humanidade, o esclarecimento e a construção de pontes podem levar a um entendimento mais profundo. A história nos mostra que, em muitos casos, a negociação e o diálogo foram fundamentais para resolver conflitos e promover a paz.

Nesse sentido, faculto a mim, como agente político ligado à comunidade de longa data, os predicados para promover o diálogo no lugar da cisão e do dedo em riste.

Enquanto parlamentar, fui representante no Brasil do World Jewish Congress, com o apoio inestimável da Confederação Israelita do Brasil (CONIB), nas pessoas do seu presidente Claudio Lottenberg, do presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo (FISESP), Marcos Knobel, do Daniel Bialski e do parceiro Ricardo Berkiensztat, e pelo amigo Fernando Lottenberg, hoje na Organização dos Estados Americanos (OEA).

Ainda pude deixar um dos meus mais importantes legados para a preservação da memória da Shoá: a Lei 15.059/09, que aprovei como vereador de São Paulo e instituiu no calendário da cidade o Dia Municipal em Memória às Vítimas do Holocausto. Pude, ainda, estar em intercâmbio, com o apoio de Jack Terpins, com a Asociación Mutual Israelita Argentina (AMIA), para preservação da memória dos ataques terroristas em Buenos Aires.

Sem falar de tantas lutas que travei junto aos líderes da comunidade em defesa e na promoção dos nossos valores humanitários e da nossa história.

História esta que é rica em lembranças de como o diálogo, mesmo diante de adversidades, pode ser a chave para resolver conflitos e promover a paz.

A busca por soluções pacíficas, a responsabilização dos que promovem o ódio e a violência, e a promoção de uma convivência harmoniosa são princípios que todos nós devemos valorizar.

Reflexões sobre a Percepção Global de Israel: Preconceitos e Desinformação

Floriano Pesaro, sociólogo.

A questão de Israel, um dos tópicos mais polêmicos e debatidos no cenário internacional, exemplifica as complexidades e desafios da compreensão global em tempos de informação rápida e frequentemente superficial. A maneira como Israel é frequentemente retratado nos meios de comunicação e discutido nos fóruns públicos revela não apenas uma curiosa fixação internacional, mas também um espelho das nossas falhas coletivas em lidar com a verdade e o preconceito.

Especialistas Sem Fronteiras

Curiosamente, muitas pessoas parecem se sentir confiantes para discutir intensamente sobre Israel, apesar de, em muitos casos, possuírem um conhecimento limitado sobre outros conflitos globais igualmente significativos. Esta disposição para opinar pode ser atribuída em parte à omnipresença de Israel nas notícias, mas também a uma tendência cultural mais ampla que mistura noções de solidariedade com conformismo político. Esse fenômeno sugere uma inclinação para adotar perspectivas que são vistas como politicamente corretas ou socialmente seguras, mesmo quando tais opiniões não são sustentadas por uma compreensão profunda dos fatos.

A Mídia e a Distorção da Realidade

A cobertura da mídia sobre Israel muitas vezes se assemelha a um regime de fast food informativo, onde se serve notícias rápidas e de fácil consumo, mas que são nutricionalmente deficientes em termos de profundidade e contexto. Este tipo de jornalismo não apenas falha em fornecer uma visão clara e matizada dos eventos, mas frequentemente perpetua uma imagem distorcida de Israel, alimentando narrativas simplificadas que não capturam a complexidade dos desafios que o país enfrenta.

Contradições da Esquerda Política

Um aspecto particularmente notável dessa questão é a postura de certos segmentos da esquerda política internacional. Historicamente comprometidos com a defesa dos oprimidos e a luta contra injustiças, alguns membros dessa esfera política parecem abandonar seus ideais quando se trata de Israel. Eles demonstram uma tolerância preocupante para com regimes autoritários e movimentos que claramente violam os direitos humanos, desde que estes se oponham a Israel. Essa incoerência não só questiona a integridade moral desses grupos, mas também destaca uma disposição alarmante para endossar ideologias totalitárias que comprometem a verdade e a justiça.

O Antissemitismo Contemporâneo

A crítica a Israel muitas vezes carrega ecos de preconceitos históricos contra os judeus, que se manifestam sob novas formas. A velha imagem do “judeu malévolo” é reciclada em descrições de Israel como um estado agressor ou opressor. Este tipo de narrativa ignora as realidades complexas e as ameaças existenciais enfrentadas por Israel, e muitas vezes se desvia para a demonização, refletindo um viés que vai além da crítica política legítima.

Chamado à Responsabilidade Global

A discussão sobre Israel serve como um teste crucial para nossos valores globais e para a nossa capacidade de aderir a um compromisso com a verdade e a justiça em um mundo polarizado. Não se trata apenas de um debate sobre política externa, mas de um desafio aos princípios fundamentais de liberdade e justiça que afirmamos defender. Ao abordar essas questões com integridade e discernimento, podemos aspirar a um entendimento mais justo e equilibrado, essencial para a resolução de conflitos e para a promoção da paz global.

Este ensaio busca instigar uma reflexão crítica sobre como as narrativas são formadas e como os preconceitos podem distorcer nossa percepção dos eventos mundiais, com a esperança de promover uma discussão mais informada e responsável sobre questões internacionais vitais.

Em tempos difíceis, a melhor ferramenta é o diálogo.

Floriano Pesaro, sociólogo.

“Diante dos maiores desafios, o poder do diálogo se destaca como nossa maior ferramenta para forjar a paz e reconciliação. Essa verdade, ensinada pela história, deve guiar nossos passos.” – Elie Wiesel (Prêmio Nobel da Paz em 1986)

Como sociólogo, tenho observado ao longo da História que nossas sociedades estão cheias de desentendimentos e conflitos. Mas, também vejo que é pelo diálogo e pela compreensão mútua que encontramos caminhos para a paz. A capacidade de dialogar nos trouxe grandes avanços em diversas áreas, mostrando que, sem a comunicação, nosso progresso seria limitado.

Por exemplo, o Tratado de Westfália em 1648, que encerrou a Guerra dos Trinta Anos na Europa, é uma prova de como o diálogo pode resolver conflitos, séculos atrás. Mais recentemente, os Acordos de Paz de Oslo, assinados em 1993 entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), mostram que mesmo os conflitos mais enraizados podem encontrar esperança no diálogo.

Além disso, há inúmeros outros exemplos ao longo da história onde o diálogo abriu portas para soluções pacíficas. As negociações entre Estados Unidos e União Soviética durante a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962 evitaram um conflito nuclear. O diálogo intercoreano, apesar de seus altos e baixos, tem sido um esforço contínuo para reduzir a tensão na Península Coreana. As conversas de paz na Irlanda do Norte, culminando no Acordo de Sexta-feira Santa de 1998, são outro exemplo de como conversar pode superar décadas de violência.

Esses exemplos mostram como o diálogo é fundamental, não apenas para resolver conflitos, mas para construir um futuro de paz e compreensão. É vital reconhecer que, mesmo diante das maiores divergências, a comunicação pode nos levar a um entendimento mais profundo e a soluções mutuamente benéficas.

Recentes declarações políticas têm mostrado como temas sensíveis podem desencadear reações fortes dentro das comunidades. Minha resposta imediata a tais declarações não foge à retidão intelectual e ao compromisso com a minha comunidade, tampouco visa inflamar mais as tensões, mas reiterar minha convicção na busca pela paz e no diálogo como o caminho para alcançá-la.

É fundamental reconhecer que a Shoá é um evento único na história, com seu horror e motivações incomparáveis. Qualquer equívoco na avaliação histórica pode levar a mal-entendidos e ofensas profundas. A Shoá, a eliminação em massa de judeus por um aparato estatal voltado tão somente à aniquilação dessa população, foi um evento único na História, o momento mais abjeto da humanidade, quando a desumanização adubou a barbárie.

A oportunidade para o diálogo nunca deve ser subestimada. Mesmo diante de comparações incabíveis de um trauma para toda humanidade, o esclarecimento e a construção de pontes podem levar a um entendimento mais profundo. A história nos mostra que, em muitos casos, a negociação e o diálogo foram fundamentais para resolver conflitos e promover a paz.

Nesse sentido, tenho contribuído, como agente político ligado à comunidade de longa data, na promoção do diálogo no lugar da cisão e do dedo em riste. Como parlamentar, indicado por Jack Terpins, Presidente do Congresso Judaico Latino-Americano, fui representante do Brasil no World Jewish Congress, com o apoio inestimável da Confederação Israelita do Brasil (CONIB), na pessoa do seu presidente Claudio Lottenberg; do presidente da Federação Israelita do Estado de São Paulo (FISESP), Marcos Knobel; do vice-presidente executivo da FISESP, Ricardo Berkiensztat; do então presidente do Clube “A Hebraica”, Daniel Leon Bialski;; e do amigo Fernando Lottenberg, hoje na Organização dos Estados Americanos (OEA).

Ainda pude deixar um dos meus mais importantes legados para a preservação da memória da Shoá: a Lei 15.059/09, que aprovei como vereador de São Paulo e instituiu no calendário da cidade o Dia Municipal em Memória às Vítimas do Holocausto. E a Lei 15.645/12, que instituiu o Dia Maçônico da Tolerância Entre os Povos, Raças e Religiões.

Pude, ainda, participar com a Asociación Mutual Israelita Argentina (AMIA), dos eventos para preservação da memória dos ataques terroristas em Buenos Aires. Foram tantas as lutas que travei ao lado dos principais líderes da nossa comunidade em defesa e na promoção dos nossos preceitos e valores judaicos.  

A história nos ensina que, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras, o diálogo é a chave para resolver conflitos e promover a paz. Essa é uma lição que todos nós devemos valorizar e praticar.

Tribuna – Israel e o Compromisso com o Tikun Olam

Uma Jornada de Ajuda Humanitária pelo Mundo e no Brasil

Por Floriano Pesaro

Israel, reconhecido por sua excelência em ciência e tecnologia, também desempenha um papel crucial em missões humanitárias globais, inspirado pelos preceitos do Tikun Olam – “reparação do mundo” – e os ensinamentos da Torá. Israel desempenhou esforços humanitários relevantes, de impacto internacional, em diversas partes do mundo, incluindo no Brasil e em territórios palestinos.

A abordagem humanitária de Israel transcende barreiras religiosas e geográficas. Em resposta a desastres naturais, Israel tem sido um dos primeiros países a oferecer ajuda humanitária, demonstrando um compromisso inabalável com a solidariedade global e os valores de compaixão e empatia.

Israel tem sido um parceiro importante na resposta a desastres ambientais no Brasil, oferecendo apoio técnico e material em situações de enchentes e deslizamentos, e ajudando a mitigar os efeitos dos incêndios na Amazônia

Um exemplo marcante que emocionou o país foi o caso de Brumadinho, Minas Gerais, em 2019. Equipes de busca e resgate israelenses foram essenciais nas operações de resgate após o rompimento da barragem. Durante a pandemia de COVID-19, Israel forneceu equipamentos médicos e conhecimentos essenciais para combater a disseminação do vírus.

Além disso, Israel investe na capacitação de profissionais brasileiros, com programas de treinamento em gestão de desastres e emergências. Na saúde pública, Israel tem sido um aliado na gestão de crises de saúde, como nas epidemias de dengue, e na cooperação científica e tecnológica, especialmente no desenvolvimento de tecnologias avançadas em saúde.

Internacionalmente, Israel respondeu prontamente a desastres como o terremoto no Haiti (2010), o terremoto e tsunami no Japão (2011), o Tufão Haiyan nas Filipinas (2013) e o terremoto no Nepal (2015), enviando equipes médicas e de resgate, e estabelecendo hospitais de campo.

Em relação aos territórios palestinos, incluindo Gaza, Israel tem demonstrado solidariedade humanitária, facilitando a entrada de ajuda humanitária e fornecendo apoio técnico e material após desastres naturais ou crises de infraestrutura. Israel também colaborou com organizações internacionais para assegurar a assistência médica aos palestinos, especialmente durante a crise da Covid-19, tratando pacientes em hospitais israelenses e facilitando o transporte para cuidados médicos urgentes. Projetos de cooperação para melhorar a infraestrutura de água e saneamento em áreas palestinas são outros exemplos do compromisso de Israel com a saúde e segurança dos povos da região.

Essas ações humanitárias refletem o espírito do Tikun Olam, promovendo a cura e o apoio onde é mais necessário. As contribuições de Israel, seja no Brasil, em outros países, ou em territórios palestinos, evidenciam um compromisso com os valores humanitários universais e a busca por um mundo mais justo e pacífico. A assistência prestada por Israel alivia o sofrimento causado por desastres e promove um impacto positivo duradouro, reforçando a resiliência das comunidades e incentivando um futuro mais promissor.

O maior ataque contra judeus desde o fim do Holocausto – Tribuna

Floriano Pesaro

Imagens de brutalidade e terror aterrorizaram o mundo nos últimos dias dando conta de um ataque terrorista sem precedentes de autoria do Hamas contra o Estado de Israel. Civis sendo mortos indiscriminadamente, famílias sendo separadas com o sequestro de crianças e idosos de dentro de suas casas e uma festa em que jovens pediam paz como palco para 260 corpos assassinados e uma outra centena de raptados e submetidos a atos desumanos que nem merecem ser citados.

Os métodos do Hamas podem ser novidade para o mundo, mas não é para os israelenses.


A partir de muito do que vimos ser discutido nas redes sociais no Brasil, especialmente pela distância do conflito que gera distorções e falsas interpretações com toques ideológicos, é preciso distinguir conceitos básicos. O primeiro deles é um divisor de águas: aterrorizar, agredir, sequestrar, estuprar e matar civis não são atos de revolta popular, são atos de terrorismo.

E se fossem contra militares, tampouco o seriam, era o caso de crime de guerra. Portanto, o maior ataque contra judeus desde o fim do Holocausto não foi nem de perto uma revolta popular palestina, foi um ato de terrorismo deliberado do grupo terrorista Hamas com suspeita de apoio de outros estados nacionais que comungam de um objetivo em comum: o fim do Estado de Israel.


Esse é outro ponto que precisa ficar claro antes de qualquer discussão se estabelecer: o Hamas não deseja a melhora de vida da população em Gaza, tanto é que não é preciso ser especialista em geopolítica para supor que os terroristas sabiam da alta probabilidade de uma resposta extremamente dura de Israel a estes ataques e que esta, certamente, não terá nenhum efeito benéfico à população civil de Gaza.


Também não é preciso ser especialista em relações internacionais para compreender que um ataque terrorista dessa magnitude focado em alvos civis israelenses proporcionando imagens de terror não teria outra consequência, senão jogar terra nas discussões pela paz e na solução de dois Estados na região. Solução esta que não interessa ao Hamas.


O Hamas, e não o povo palestino, vilipendiou o território e a população civil israelense por, pelo menos dois motivos principais: expor a fragilidade no sistema de segurança israelense, tido até então como imbatível; e travar as negociações avançadas de paz entre Arábia Saudita e Israel – este sim, o foco deste ataque.

Após fazê-lo com os Emirados Árabes Unidos e com o Bahrein, Jerusalém estava prestes a firmar um acordo histórico com Riad, que vem empreendendo esforços em diversos setores para se aproximar do Ocidente e se tornar um polo econômico, político e turístico na região. A realização desta aproximação cooperaria muito para a retomada dos diálogos pela paz na região, o que enfraqueceria de maneira decisiva o Hamas.

Um acordo de paz com a existência de dois Estados independentes e soberanos em seus territórios é a única saída possível para reestabelecer a paz na região, mas é preciso que o diálogo não seja com grupos terroristas, como o Hamas. Como já sabido, não é de interesse dos terroristas uma solução de dois estados, desde 2007, quando o Hamas assumiu o controle de Gaza, as negociações travaram, e não por conta de Israel ou do Ocidente, mas dos terroristas que reforçavam seu único objetivo de eliminar os judeus de seu território.

Reitero a importância de separar a população palestina, a Autoridade Palestina, e grupos terroristas como o Hamas: eles não representam a população, senão são braço armado de interesses regionais, econômicos e geopolíticos utilizando os civis de Gaza como escudo para suas operações terroristas.

Não há dúvidas de que o Hamas é um grupo terrorista e sanguinário. Isso é indiscutível. Por isso, nem citados nominalmente devem ser nos meios oficias. Muita gente pode ter estranhado a ausência de sua citação nas declarações do Ministério das Relações Exteriores, das partes do presidente Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, a ausência da menção ao nome do grupo em suas declarações em condenação ao grupo terrorista.

Mas, não é por acaso: a chancelaria brasileira não dá nomes a grupos terroristas justamente para não lhes prestarem qualquer tipo de reconhecimento por suas atrocidades e tampouco uma ideia de legitimidade sobre a representação palestina, no caso do Hamas.

Ainda vale dedicarmos atenção a dois pontos: o Brasil ocupa hoje posição estratégica como presidente rotativo do Conselho de Segurança da ONU e, nesse papel, convocou imediatamente uma reunião dos países membros para discutir os ataques terroristas do Hamas contra Israel. É a oportunidade do país de assumir função estratégica e serena de mediação do processo.

Outra ação do governo brasileiro da maior relevância: o Brasil foi um dos primeiros países a colocar em ação uma das maiores operações de repatriação de nacionais em curso na região com a utilização de seis aeronaves e expectativa de repatriar 900 brasileiros solicitantes.

A eficiência brasileira é destaque internacional, como exemplo, até o momento da escrita deste artigo, os Estados Unidos ainda não possuem um plano para resgatar seus cidadãos.

Por fim, pode-se discordar de políticas governamentais dos diferentes governos israelenses, que, sempre bom lembrar, é a única democracia liberal da região, mas não se trata disso agora. Trata-se de compreender e discernir elementos fundamentais deste complexo conflito histórico em que os maiores perdedores são os civis israelenses e palestinos, estes feitos de reféns do ódio, da violência e do fundamentalismo de grupos terroristas, com quem devemos veementemente nos opor e exigir sua retirada para que a paz se estabeleça.