Revista VIDI: “A liderança no green recovery”

A liderança no green recovery
Floriano Pesaro

“Embora o Brasil esteja ainda imerso em preocupações imediatas com relação à superação do auge da pandemia do novo coronavirus, países europeus e setores do empresariado brasileiro ligados ao agronegócio e à exportação de commodities têm introduzido o conceito do green recovery, ou da recuperação verde, na agenda pública.

Essa estratégia de desenvolvi-mento pautada no papel do Estado como regulador e como investidor prevê a alocação de benefícios fiscais e recursos em atividades que impactem positivamente o meio ambiente entendendo que a crise ambiental que se avizinha será brutalmente maior que o impacto econômico da Covid-19.

O país com a maior porção de floresta nativa preservada, a maior riqueza em biodiversidade e que tem sua economia fortemente pauta-da na exportação agrícola não pode perder, ou se furtar, frente a esse movimento mundial.

A discussão sobre preservação do meio ambiente não é nova para os brasileiros, fomos sede da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento em 1992 (ECO-92) e em 2012 (Rio+20), o que, para além da simbologia implícita, eram efeitos de resultados concretos de diferentes governos – sob distintas vesti-mentas ideológicas – oriundos de esforços pela biodiversidade e desenvolvimento de ações sustentáveis com fortalecimento e independência dos órgãos fiscalizadores.

Contudo, há que se pontuar que, mesmo nesse cenário onde a proteção ambiental ocupava a agenda pública, o Brasil não compreendia a questão ambiental enquanto implícita, ou mesmo ligada de alguma for-ma, ao desenvolvimento socioeconômica e à política econômica propriamente dita.

Essa desconexão começou a ser questionada no ano passado de forma mais acentuada com o questionamento de membros do Governo Federal ao seu próprio instituto de pesquisas, no caso, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), após anúncio de desmatamento recorde na região amazônica.

O diretor do aludido órgão foi desautorizado, desacreditado e, por fim, demitido. Independente-mente das intenções do Executivo, duas mensagens que não corroboravam com nosso histórico de atuação nessa agenda foram emitidas aos infratores da lei e ao cenário internacional: 1) o desmatamento estava, de fato, aumentando; 2) o Governo brasileiro pretendia omitir os dados.

Essa inflexão na nossa trajetória político-ambiental encontrou, ainda antes da pandemia do novo coronavirus, os graves episódios das queimadas sazonais na Amazônia. Não é falso de que elas sejam sazonais, mas no contexto e na dimensão que se deram, serviram de mais um alerta internacional de que o cuidado com a Floresta Amazônica não estava caminhando bem nos trópicos.

De lá para cá, nos deparamos com uma pandemia que paralisou as atividades econômicas e, em países tão desiguais e cheios de incoerências, como o Brasil, expôs uma série de chagas que ficam acobertadas pelo nosso senso de “normalização” do absurdo. Uma dessas chagas foi o efeito das atividades econômicas no meio ambiente.

Verdade que os céus não ficaram mais azuis apenas por aqui, mas – no contexto que estávamos e saídos de uma nuvem de cinzas que fez o dia em noite na capital paulista – esses efeitos imediatos da redução da emissão de gases na atmosfera conectou definitivamente a pauta ambiental à econômica no Brasil.

Esse, sim, movimento inédito.O questionamento que se seguiu em todo o mundo, assolado economicamente pelos efeitos da pandemia sobre a economia, poderia ser resumido, então, à possibilidade de agregar às medidas estatais – sempre elas em tempos de crises sistêmicas – iniciativas econômicas e fiscais que promovam uma recuperação econômica sustentável, green recovery.

Embora não seja esse o objetivo deste escrito, sinto que é necessário, para que a compreensão da urgência desse tema seja mais palatável, materializarmos o que seria essa recuperação verde. Tratam-se de medidas de impacto fiscal ou de investimento por parte do Estado em atividades sustentáveis e que promovam desenvolvi-mento social com preservação do meio ambiente. Alguns deles são: a eliminação dos subsídios para combustíveis fósseis; a supressão absoluta do desmata-mento ilegal na região amazônica e no cerrado brasileiros; e investimentos estatais, ou em parceria com o setor privado, no desenvolvimento ou ampliação de escala de tecnologias, processos, serviços e bens que promovam a integração entre preservação do meio ambiente e desenvolvimento econômico.

Boa parte dessas medidas estão na carta aberta que dezessete ex-Ministros da Fazenda do Brasil publicaram em defesa de uma recuperação, ou ainda, retomada verde considerando o cenário pós-pandemia. Os históricos dirigentes da política econômica brasileira reconhecem, em primeiro plano, que será necessário que a atuação forte do Estado na recuperação da economia continue, e até se amplie, após a pandemia, haja vista o legado de desemprego e insuficiência de renda que deixará para trás.

É justamente nesse ponto, nessa injeção de recursos e benefícios fiscais, que eles acreditam haver uma oportunidade, talvez única, de alinharmos nosso desenvolvimento socioeconômico à agenda ambiental tão malfadada nos últimos tempos.

Ora, se não pela consciência ambiental de que as mudanças climáticas, tal como a pandemia do novo coronavirus afetará a todos nós quanto habitantes desse mesmo planeta, que se dê atenção, por parte do nosso governo central, mas, também, da nossa sociedade como um todo, a essa chance única pelo lado econômico.

O Brasil, por mais que não pareça em seus grandes centros, é extremamente dependente de exportações e seus “clientes” estão decididos, mais do que nunca, a incorporar a pauta ambiental nos seus negócios de forma definitiva. “ É fundamental que o governo interrompa a estratégia de “kill the Messenger”.

É preciso deixar de “matar” aquele que te trouxe a má notícia e passar a focar em mudar a realidade.”

Green recovery não é uma estratégia enviesada ideologicamente de forma alguma, se não do novo capitalismo que nos avizinha e nos impõe.”

Estadão: “Os brasileiros não tem medo da morte”

Amigas e amigos, profundamente incomodado com o contraste que vivemos no domingo passado, escrevi o artigo publicado na coluna do Fausto Macedo no Estadão de hoje. Compartilho para leitura e comentários.

“No mesmo dia em que o Brasil contou mais de cem mil vidas perdidas por covid-19 no país, um clássico do futebol brasileiro tomava os televisores dos animados torcedores e os bares, ansiosos por clientela desde a reabertura, viram, finalmente, algum movimento relevante. Não se trata da necessidade de lamentarmos todos os dias, embora devêssemos, as milhares de vítimas do novo coronavírus no Brasil, nem do alívio dos bares que buscam pagar suas contas, mas do choque causado em alguns de nós – ainda bem – pela surpresa causada pela substituição do silêncio no dia em que a macabra marca foi atingida por gritos de “gol”, música e muita festa.

Esse cenário do último domingo pode ter uma série de leituras do ponto de vista ético, moral, científico e, até, médico, contudo, me atenho aqui ao sociológico, afinal, uma sociedade que perdera em menos de cinco meses a vida de cem mil dos seus cidadãos não deveria estar, ao menos, reflexiva no dia em que isso se constata?

Embora consideremos que as chamadas “fake news” e a descrença propagada por lideranças políticas tenham dado sua contribuição para diminuir a importância de tantas vidas perdidas frente aos olhos da população, é fundamental termos a humildade para compreender as possíveis razões sociológicas que levam à escassez de empatia na sociedade brasileira com tantas vidas perdidas em tão pouco tempo.

Antes disso, embora largamente divulgado, é preciso entendermos o tamanho da tragédia: para atingir o número de óbitos causados pela covid-19 no Brasil até agora, os casos de infarto precisam ser acumulados em um ano e um mês; já as complicações da pneumonia precisam de um ano e oito meses para vitimar tantos brasileiros; por fim, para vitimar cem mil brasileiros, o acidente vascular cerebral (AVC) precisa de três anos. Caso ainda não tenha ficado graficamente claro, há semanas estamos perdendo vidas para a covid-19 na mesma proporção que perderíamos com a queda diária de dois aviões Boeing 777 sem sobreviventes, 550 passageiros cada.

A despeito de teorias da conspiração que correm livremente nas redes sociais, essas pessoas foram vitimadas pelo vírus da covid-19 e não por qualquer outra razão. São pessoas com famílias, amantes e amigos que não teriam morrido de qualquer outra forma, pelo menos nesse momento, ainda que esse seja nosso inexorável destino, como anda sendo lembrado. Por que, então, não nos escandalizamos? Por que naquele macabro domingo não homenageamos as vítimas com nosso silêncio? Por que comemoramos gols de um campeonato que nem deveria estar acontecendo com música, bebida e festas?

Os brasileiros convivem anualmente com a segunda maior taxa de homicídios (30,5 por 100 mil habitantes) da América Latina, de acordo com levantamento de 2019 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, perdendo a indesejada liderança para a Venezuela, conflagrada há anos. E esse número está em franca ascensão, principalmente, quando levados em conta os homicídios com requintes de violência. De acordo com o mesmo estudo, Nigéria e Brasil, juntos, registram, em média, 28% dos assassinatos de todo o planeta.

Resta-nos pensar sobre um fenômeno parecido com o que Hannah Arendt classifica como “banalização do mal”, parecido porque nada se compara aos horrores do Holocausto. É, sim, no pouco valor que se dá à vida no Brasil que se encontra nosso estado apático frente a tantas mortes de compatriotas.

Penso que essa apatia está relacionada, principalmente, a dois aspectos intrínsecos da nossa sociedade. Primeiramente, como resultado da violência endêmica – criminal e social – com a qual convivemos há anos e que nos torna “acostumados” ao convívio com delitos contra a vida.

Por outro lado, a organização socioeconômica brasileira assentada numa desigualdade social flagrante que gera classes sociais rígidas e acessos completamente díspares à assistência de saúde encontra uma doença que não escolhe cor ou renda. O resultado disso é que, segundo estudo da PUC-Rio, entre as pessoas pretas e pardas infectadas pelo coronavírus mais da metade vem a óbito, enquanto esse índice fica em 38% entre os brancos.

Não era, portanto, de se estranhar que naquele fatídico domingo não houvesse grandes comoções nacionais, mesmo que não-presenciais. No Brasil, a violência é mais presente que o Estado em muitos lugares e a morte é visita indesejada, mas bastante comum para muita gente. O Brasil precisa enfrentar o coronavírus e lamentar, sim, as mortes causadas pela doença, mas, também, precisa reencontrar o valor da vida.

*Floriano Pesaro, sociólogo, ex-secretário estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo e ex-deputado federal

Folha de São Paulo: “Nem só de eleições vivem as democracias”

“Em artigo na Folha de S.Paulo, a diretora-executiva da RAPS Mônica Sodré e os sociólogos José Álvaro Moisés e Floriano Pesaro analisam o delicado cenário de recessão democrática vivido globalmente e com alarmantes desdobramentos no Brasil.”

Crédito: Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS)

“Nem só de eleições vivem as democracias

A crise econômica causada pela pandemia encontra outra enfrentada por parte do globo nos últimos 20 anos: a democrática. Pela primeira vez neste século, a maior parte do mundo não é uma democracia. Isso não se explica apenas pelas suas dificuldades em locais nos quais já estava consolidada —como nos EUA e na Europa ocidental—, mas também pelo surgimento de regimes híbridos, que mantêm os aspectos eleitorais enquanto suprimem liberdades de imprensa e de expressão, caso de Hungria e Filipinas.

Sua retração global é sentida em disputas eleitorais enviesadas, vulnerabilidade a rupturas, manifestações populares, desrespeito à oposição, censura à imprensa, esvaziamento dos partidos e dos Parlamentos e perseguições.

Regimes democráticos não se realizam somente com a garantia de eleições livres, regulares e justas. Sua realização envolve o entendimento cotidiano de seus valores, incorporados em suas normas e comportamentos, e a existência de condições, inclusive materiais, que assegurem aos cidadãos a capacidade de interferir nos rumos do país e da política.

Sua superioridade frente a outras formas de organização da vida coletiva se justifica por três aspectos: é a única na qual os direitos de existência, expressão e participação das minorias são respeitados e preservados, as decisões são consideradas vinculativas por excelência e, por fim, na qual se pressupõe aceitação às regras do jogo.

Há, ainda, um aspecto pouco usual, mas que não deve nos escapar: regimes autoritários têm o resultado de seu processo político como algo dado e, portanto, a certeza como seu elemento norteador. São as democracias, no entanto, os regimes nos quais estando o próprio processo político em aberto, estão também seus resultados, permitindo que haja a esperança de que o amanhã possa vir a ser melhor, de que a esperança —o amanhã— venha brindar os filhos de uma maneira que não foi permitido aos pais usufruir.

No Brasil, nosso período democrático mais longevo completou 30 anos e nossa democracia liberal encontra-se sob risco permanente e com gradativa morte de seu vigor.

Morre todos os dias, quando há estímulo da violência por parte de quem ocupa postos de poder. Quando os que ocupam tais posições reivindicam para si a representação exclusiva do povo e seus interesses. Quando os limites entre público e privado ficam quase invisíveis. Quando há esforço para refundar o passado e brigar com a ciência.

Quando a desinformação vira arma e as instituições passam a ser orientadas por uma visão que tem como finalidade esvaziá-las de capacidade. Quando a inserção internacional e, portanto, a capacidade de cooperação e relacionamento externos são comprometidas. Quando não há mais imagem externa a zelar.

Hoje, o vigor da nossa democracia morre também porque, além das mais de 100 mil vítimas fatais de uma nova doença, condenamos o futuro de muitas gerações.

Nossa incapacidade de garantir a preservação da renda, de apresentar um plano crível de recuperação econômica, de aliarmos a retomada ao desenvolvimento sustentável, de enfrentarmos as históricas e agora mais profundas desigualdades, condenam ao âmbito das certezas a expectativa de vida, a esperança e o futuro de toda uma nação.

Mônica Sodré
Cientista política e diretora-executiva da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade)

José Álvaro Moisés
Cientista político e professor titular da USP

Floriano Pesaro
Sociólogo, é ex-secretário de Desenvolvimento Social de São Paulo (2015-2018, governo Geraldo Alckmin) e ex-deputado federal pelo PSDB-SP (2015-2019)”

Hebraica: “A longevidade é um imenso desafio”

Amigas e amigos, compartilho nessa noite de domingo, meu mais recente artigo publicado na revista do Clube Hebraica SP sobre a importância do olhar especial para as pessoas idosas e para o tema da longevidade. Leia, comente e compartilhe.

“A longevidade é um imenso desafio

Floriano Pesaro, sociólogo.

Ainda imersos nas urgências que nos trouxe a pandemia do novo coronavirus, assuntos correlatos – em especial da área social – que foram postos temporariamente de lado, merecem nossa especial atenção. Um deles é o envelhecimento acelerado da população brasileira. Os idosos brasileiros representavam 2,6 milhões da população geral em 1950; foram para 21,8 milhões em 2018; devem terminar este ano em 29,9 milhões; e, por fim, alcançar 72,4 milhões em 2100, segundo dados divulgados pela Divisão de População da Organização das Nações Unidas.

Trata-se de um crescimento exponencial que demanda políticas públicas focalizadas por parte do Governo e conhecimento apurado da sociedade para que nossas idosas e idosos sejam respeitados e tenham seus direitos garantidos. Nesse contexto, é fundamental termos à mão ferramentas que nos possibilitem difundir valiosas informações e conhecimento.

A pandemia do novo coronavirus jogou luz a uma série de problemas sociais e econômicos que já detinham nosso conhecimento há muito tempo. Eles foram agudizados e as populações vulneráveis tiveram suas condições ainda mais precarizadas.

Um boa porção da população idosa vive com menor renda e sob precárias condições de habitabilidade, exposta a uma doença que lhe atinge de forma agravada e viu-se sem amparo médico adequado, orientações de isolamentos e cuidados especiais por parte das famílias e, muitas vezes, em abrigos que não respeitavam um protocolo mínimo de segurança e saúde.

Além disso, não menos lamentável, assistimos a comentários nas redes sociais, logo no início da pandemia, minimizando a doença por “só matar os idosos”. Esses são sinais claros de um sintoma já por nós conhecido: há um desconhecimento da agenda da pessoa idosa no Brasil tanto no Governo, quanto na sociedade e esse tema deve ser tratado com urgência – tão logo, se tudo correr bem, todos engrossaremos as fileiras desse grupo populacional.

Enquanto esse tema vem, aos poucos, tomando relevância na agenda pública nacional, a comunidade judaica já se atenta há muito para a importância dos cuidados com as pessoas idosas, tanto por razões religiosas, quanto civilizatórias, que permeiam, ambos, nossa existência e nossas atitudes. Além dessas ações individuais e de famílias, nossa comunidade também é famosa pelas instituições que, há muitos anos, se dedicam integralmente, ou em parte, a esse grupo.

O Residencial Einstein, mantido pela Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, o Núcleo de Convivência dos Idosos da Unibes, o curso de Formação de Cuidadores de Idosos, uma realização da CIP em parceria com a OLHE, Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento, com apoio do Einstein, e o serviço de alimentação do Ten Yad são bons exemplos, este último, em especial, reforçou a entrega das refeições garantindo segurança alimentar durante a pandemia.

A Hebraica, sob comando do nosso presidente Daniel Leon Bialski, junta forças nesse coletivo de entidades judaicas que respeita o passado e pensa no futuro. São inúmeras ações no clube durante todo o ano voltadas ao envelhecimento ativo e aos cuidados com os mais idosos. Em especial, nesse período de pandemia, o clube têm sido referência em lives que mantem os sócios ativos, informados e partícipes de um coletivo social, característica tão importante para nossa saúde mental.

Construir políticas públicas voltadas às pessoas idosas, compartilhar conhecimento técnico e didático sobre o tema, promover ações, de forma individual ou coletiva, que assegurem os direitos dessas pessoas são atitudes civilizatórias, à primeira vista. Caso fuja essa concepção da vista de alguns, basta lembrá-los que, do ponto de vista individual, estaremos nós, em breve, cerrando as fileiras do envelhecimento.”

CityPenha: O “pós-pandemia” depende do nosso voto

Compartilho meu mais recente artigo postado na Revista CityPenha sobre a importância do voto e da escolha democrática, inclusive e principalmente, em tempos de crise. Leia, comente e compartilhe.

“O “pós-pandemia” depende do nosso voto

Ainda imersos nas urgências que nos trouxe a pandemia do novo coronavirus, seremos confrontados com um chamado às urnas, excepcionalmente, no dia 15 de novembro. À primeira vista, para nós cidadãos brasileiros que ainda estamos contabilizando perdas humanas e materiais em decorrência da pandemia, pode soar um impropério colocar como obrigatória a ida presencial a um colégio depositar nosso voto. Pois, viabilizadas as condições sanitárias e desobrigados os grupos de riscos, é justamente esse momento que nos dará a oportunidade de escolher quem e como queremos enfrentar o “pós-Covid”.

Falar sobre a importância do voto no cenário me parece obviedade, haja vista o cenário em que estamos, onde há quatro anos elegemos pessoas que se diziam “novas” para diversos cargos, e, hoje, elas demonstram, em sua maioria, a incapacidade de responder adequadamente aos desafios trazidos pela pandemia. Sabemos, à essa altura, que o voto tem um alto custo para as decisões que afetam nossas vidas – em que pese, já tivemos outras lições anteriores nesse sentido. Mais agudamente, o voto municipal, aquele que elege os prefeitos e vereadores, influi também no nosso cotidiano.

Nós não somos os únicos que terão o dever de exercer a cidadania em meio à pandemia. Na França, os cidadãos foram chamados por duas vezes às urnas, sendo a primeira delas no pico da pandemia. É claro que, com essa decisão, houve um risco sanitário que deve ser mitigado ao máximo possível, mas, ali, estava em jogo a escolha sobre quem iria lidar e tomar decisões urgentes sobre este grave momento para os franceses, neste caso.

Se do ponto de vista constitucional, não há precedente possível para o prolongamento biônico de mandatos confiados pelo povo, como chegou a ser sugerido, do ponto de vista prático a ideia também não me parece razoável. No Brasil, nos está custando muito a inexperiência que tomou os gabinetes pelo Brasil afora, inclusive muitas vidas. É necessário que consideremos o aprendizado coletivo que a pandemia está causando aos brasileiros com óbvias consequências eleitorais.

Os franceses não decidiram arriscar seus cidadãos no ápice da pandemia, senão pela certeza da importância de eleições municipais. Os poderes Executivo, prefeito, e Legislativo, vereador, são a ponta do sistema político mais próxima da população. O prefeito é o agente público empossado que responde pela zeladoria – asfaltamento, calçadas e limpeza urbana, por exemplo -, pelo atendimento de saúde, pelas creches e escolas de ensino básico, pelas medidas de trânsito locais, pela segurança urbana e por tantas outras atividades que impactam diretamente os cidadãos.

Já o vereador, por sua vez, é aquele empossado para representa-lo frente ao poder municipal, ele é a sua voz e seu olhar na política local, caro leitor. Esse é um representante estratégico, você deve pesquisar sobre seu candidato de modo a conhecê-lo bem, afinal ele será responsável, essencialmente, por duas missões que podem facilitar, ou dificultar, sua vida: criar, e aprovar ou rejeitar, Leis municipais; e fiscalizar o Poder Municipal, ou seja, as ações do prefeito e sua equipe.

Em termos práticos e objetivos, se num plano de asfaltamento municipal sua rua foi desconsiderada da relação de vias do seu bairro mesmo estando completamente esburacada, a melhor chance do seu pleito ser atendido é via um vereador. É ele que deve ser sua voz e protestar contra à medida que não lhe parece correta. Se você escolhe um vereador com uma pauta nacional, ou seja, desconectada da agenda do seu município, é provável que, no momento que mais precisar dele, ele não entenda a importância do seu pleito.

Por isso, é fundamental, novamente, pesquisar e conhecer aquele que terá a honra do seu voto, ainda mais num cenário de pandemia, onde a ação dos agentes públicos eleitos tem impactos profundos sobre como seremos, enquanto sociedade, no tão esperado “pós-Covid”.”

#SPparaTodos #opiniao #citypenha

Tribuna: “O poder da linguagem simples”

Amigas e amigos, compartilho com vocês nosso mais recente artigo – escrito por mim e pelo Vereador Daniel Annenberg – e publicado na TRIBUNA JUDAICA. Leia, comente e compartilhe.

“O poder da linguagem simples
Daniel Annenberg* e Floriano Pesaro**

Imersos nesse cenário inesperado e incerto imposto pela pandemia do novo coronavirus, a informação tornou-se a principal ferramenta para que a população compreenda e siga as orientações dos governos no combate a essa nova doença. As pessoas, por sua vez, dependem dessas informações tanto para se defender da doença, como para lidar com seus efeitos, como a crise econômica. Toda essa comunicação precisa ser confiável, efetiva e transparente. E mais importante: a linguagem usada pelo governo precisa ser simples, de modo que seja compreendida e esteja ao alcance de todos e todas, o que nem sempre acontece.

Mesmo antes da pandemia, tornar a comunicação entre governo e cidadão mais simples e fluída já era uma das nossas grandes preocupações. Por isso, assim que Daniel voltou ao seu mandato na Câmara dos Vereadores de São Paulo, no final do ano passado, apresentou o PL 226/2019, que se tornou a Lei nº 17.316 em 6 de março de 2020, e instituiu a Política Municipal de Linguagem Simples na capital paulista. São Paulo passou, então, a ser a primeira cidade brasileira em que o uso de linguagem simples, que busca fazer com que a administração pública se comunique de maneira simples, direta e compreensível com a maioria da população.

A Política Municipal propõe que a comunicação seja realizada por meio de um conjunto de práticas, instrumentos e sinais para facilitar a compreensão dos textos. Desse modo, fica estabelecido que as ideias, palavras, frases e a estrutura devem ser organizadas para que as pessoas encontrem facilmente o que procuram, compreendam e saibam utilizar a informação. Entre as diretrizes propostas estão “linguagem respeitosa; palavras comuns; termos não discriminatórios; linguagem adequada para as pessoas com deficiência; explicar termos técnicos quando necessários; evitar siglas desconhecidas”.

Não se trata de uma política pública acessória e de menor importância. A comunicação empolada tem sido uma das formas de exclusão da parcela mais vulnerável da população na solução de suas demandas e na discussão dos problemas da cidade. Como diz a professora Neide Mendonça, especialista na área, “escrever mal é desumano e antidemocrático, porque desrespeita um direito fundamental do leitor: compreender os textos que regulam sua vida de cidadão”.

Precisamos inverter o papel da comunicação na relação do governo com a sociedade. Ao invés de afastar, excluir e tentar dificultar a vida das pessoas, a linguagem precisa aproximar e incluir todos e todas que dependem dela para resolver suas demandas e participar das grandes questões de sua comunidade.

Foi com essa preocupação que em Israel, por exemplo, foram adotadas políticas específicas que visam simplificar a comunicação e promover o entendimento dos cidadãos, uma vez que a imigração é um forte componente da demografia israelense. É verdade que culturalmente, os israelenses possuem fluidez na sua comunicação, uma vez que o hebraico é uma língua bastante direta na sua etimologia, mas era preciso mais. Em 2013, o Knesset aprovou uma série de regulações para os serviços públicos determinando a aplicação de políticas de “plain language”, ou linguagem simples. Um exemplo dos efeitos dessa regulação foi no sistema de saúde Maccabi que determina o uso de “linguagem acessível e palavras simples” em informações sobre procedimentos de saúde aos pacientes.

A pessoa em situação de maior vulnerabilidade – que mais tem dificuldades para manter o necessário isolamento social neste momento – é justamente aquela que mais precisa de informações simples, acessíveis e esclarecedoras das autoridades públicas. Se ouvissem “bloqueio total”, “máscaras e luvas” e “vale de 600 reais”, ao invés de seus equivalentes em língua estrangeira, esses cidadãos e cidadãs certamente se sentiriam mais seguros, protegidos e incluídos.
Quanto mais simples a linguagem, mais próximos estaremos de uma sociedade democrática, transparente e, acima de tudo, mais humana.

*Vereador na Câmara Municipal de São Paulo
* Sociólogo e ex-deputado federal”

#SPparaTodos #Judaismo #jew

O Globo: “Cidadãos e cidadãos”

“Ao avançarmos dos 120 dias de pandemia do novo coronavírus no Brasil, podemos constatar uma série de questões e, uma delas, é que, além dos novos problemas, a crise causada pela doença desnudou uma série de mazelas e conflitos socioeconômicos que permeiam a sociedade brasileira há muito tempo. Uma delas veio à superfície num triste episódio de desacato à autoridade pública no Rio de Janeiro durante a fiscalização da reabertura de bares e restaurantes na cidade. Uma cidadã, incomodada com a atuação dos fiscais no bar onde estava, expôs, num “sincericídio”, uma das fundamentais fraturas sociais brasileiras: “Cidadão não, engenheiro civil, formado, melhor do que você”.

Florestan Fernandes, em suas obras sobre revolução social, inaugurou a sociologia crítica no Brasil, que questionava a configuração social brasileira como natural e meramente baseada no mérito. Fernandes imputava ao patrimonialismo e às heranças do racismo que, segundo ele, trouxe um misto de sociedade de “classes” com sociedade de “castas” com um forte componente racial. Traduzindo o “sociologiquês”, o Brasil seria uma sociedade onde um indivíduo poderia até, por seus méritos, angariar alguma ascensão, mas um determinado conjunto de signos imporia a ele um limite, tal qual um regime de castas, mas — ao contrário do indiano — não baseado na religião.

A emulação carioca da tese de Fernandes trouxe um desses componentes de forma muito acentuada, a formação acadêmica. Cabe aqui lembrar que o Brasil concorda explicitamente com a engenheira no que se refere a existirem tipos melhores e, portanto, piores de cidadãos quando determina que diplomados universitários devem ter lugar especial quando detidos. Não há, contudo, registros de detenção diferenciada por nível superior em qualquer lugar do mundo.

O mito da democracia racial e da meritocracia ganhou impulso no atual cenário político quando se tenta cobrir as fraturas sociais feitas durante toda a nossa história com um manto de nacionalismo patriótico falso e fraco em seus embasamentos. As elites brasileiras nunca, desde nossa colonização, viram os brasileiros como cidadãos de direitos natos, o que explica também nossa versão peculiar do estado democrático de direito, que vive sob constante ataque. A obtenção dos direitos sociais no Brasil sempre passou pelas “castas” informais, mais marcadamente, da cor, do gênero, da formação acadêmica e, por fim, da situação econômica. A lógica exposta pela senhora no Rio de Janeiro coloca ainda nossa visão distorcida do capitalismo brasileiro, também abordado por Fernandes, ao expor que o funcionário público estava sendo pago com o dinheiro da engenheira civil, o que deveria denotar a ele inferioridade moral, e até mesmo, civil, sob aspecto dos direitos.

Nós, enquanto sociedade brasileira, devemos nos inspirar nos movimentos internacionais como o Black Lives Matter, que buscam corrigir injustiças sociais históricas que ainda, estruturalmente, permeiam nossas relações enquanto cidadãos se quisermos, de fato, sairmos melhores sob algum aspecto, não só da pandemia, mas da crise social, política e econômica que nos espera à espreita.

Floriano Pesaro é sociólogo e foi secretário estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo”

A pandemia deu gás a um velho inimigo – Hebraica 701

Amigas e amigos, inspirado no #IsraelFights4Humanity escrevi meu mais recente artigo publicado na Revista do Clube Hebraica SP que, agora, compartilho com vocês. Leiam e comentem.

“A pandemia deu gás a um velho inimigo

Quando se trata da pandemia do novo coronavirus, já nos vem a mente a profusão de informação e, principalmente, desinformação que vem sendo difundida em todos os meios de comunicação. Em meio a essa miscelânia, encontramos – não raro – menções a teorias da conspiração sobre propósitos escusos e “culpados” pela pandemia. Aqui no Brasil, quem ainda não se deparou nos grupos de mensagens instantâneas com alguma teoria que delega a China a autoria do novo vírus? Como falei aqui no mês passado, um dos maiores inimigos dessa pandemia – e da humanidade – são as fake news e, agora, os chineses ganharam companhia no alvo das teorias conspiratórias: nós, judeus.

Uma pesquisa da Universidade de Oxford, na Inglaterra, trouxe um alarmente dado que já vinha sendo difundido por organizações que combatem o antissemitismo mundo afora, os judeus estão se tornando o novo “bode expiatório” do coronavirus. Segundo a pesquisa, um a cada cinco britânicos acreditam que o vírus foi criado por judeus por motivos financeiros. Sim, eu sei que parece inacreditável, mas a justificativa para tal impropério é muito parecida com aquela usada contra os chineses: “eles criaram esse vírus para que tudo ficasse barato e eles pudessem comprar empresas no mundo todo”.

Não se trata de novidade para nós essa tentativa antissemita de vincular nossa comunidade a conspirações e inverdades, tanto que, rapidamente, um grupo de organizações e movimentos de combate ao antissemitismo criaram a campanha “#IsraelFights4Humanity” ou, em português “Israel luta pela humanidade”. A ideia da campanha é mostrar o que o governo israelense e empresas, movimentos e cidadãos judeus estão fazendo em todo o mundo no combate à pandemia e seus efeitos, inclusive na Palestina.

Há relatos de encontros entre oficiais israelenses e palestinos que formaram uma espécie de centro de operações conjuntas para compartilhar informações e ações de saúde pública visando barrar o avanço do coronavirus na região. Além disso, Israel já enviou à Gaza e à Cisjordânia uma série de kits para detecção do vírus e outros utensílios de saúde. Da mesma forma, o governo israelense e a comunidade judaica vêm expandindo esse trabalho humanitário em todo o mundo e, por isso a campanha liderada pelo “Combat Anti-Semitism Movement (CAM)” oferece guias e ferramentas audiovisuais para que essas ações sejam divulgadas nas redes sociais em todo o mundo contrapondo qualquer ataque antissemita de alcance menor.

Enquanto mentiras são jogadas nas redes, principalmente, europeias e norte-americanas, nossa comunidade, suas empresas e organizações, tem feito avanços no combate à pandemia em todo o mundo desenvolvendo tecnologias de última geração para detecção rápida do vírus, doando medicamentos, empenhando esforços conjuntos em pesquisas pela tão esperada vacina, mobilizando linhas aéreas civis e militares no envio de suprimentos de saúde aos locais mais vulneráveis ao vírus.

O vírus do antissemitismo está sempre a espreita e não podemos nos descuidar. É preciso cautela e cuidado para que nossos inimigos não nos manipulem frente à opinião pública para cabermos em seus delírios. Nossa comunidade é baseada no bem comum e na prosperidade, nada diferente disso coaduna com nossos valores.

É espalhando a verdade e orientando nossas ações com base na tzedaká, tikun olam, que vamos vencer a pandemia do novo coronavirus, seus efeitos, a desinformação e, diuturnamente, também venceremos o antissemitismo.”

#SPparaTodos #Judaismo #Jew #Hebraica

Por uma internet para mais pessoas – Tribuna 394

Amigas e amigos, compartilho com vocês o mais recente artigo publicado na Tribuna Judaica escrito por mim e pelo Vereador Daniel Annenberg sobre o papel que o acesso à internet vêm exercendo em tempos de pandemia.

Por uma internet para mais pessoas

Imersos num cenário de incertezas, fake news, acirramentos políticos, reabertura de economias pós pandemia, muitos de nós estamos mentalmente fatigados com tantas notícias ruins. Para fugir deste cenário, buscamos contato com outras pessoas, outros assuntos e procuramos mergulhar em outros temas mais confortantes, ainda que temporários. O que não muda é o meio pelo qual nos chegam as notícias estressantes e os assuntos que nos aliviam: a internet. A pandemia suscitou novamente debates sobre um enorme contingente populacional que ainda não tem acesso a internet e, neste contexto de afastamento social, se vê ilhado e impedido de estudar, trabalhar e exercer demais atividades cotidianas.

Com a suspensão das aulas presenciais em quase todos os países do mundo, 1,3 bilhão de estudantes estão hoje utilizando alguma forma de ensino remoto. Como o acesso à internet ainda não é universal, principalmente nos países em desenvolvimento, não faltaram notícias sobre pessoas sofrendo com falta de conectividade ou com a falta de equipamentos adequados para acessar a rede mundial de computadores. No Brasil, segundo a TIC Domicílios 2019, um quarto dos brasileiros e brasileiras continuam totalmente desconectados.

São 47 milhões de cidadãos e cidadãs cerceados no seu direito de utilizar um território que expandiu as fronteiras do fazer e do saber humanos.

Para reduzir essa profunda e injusta desigualdade, o único caminho é retomar e reforçar a política de inclusão digital no Brasil. Não se trata de política pública acessória. Estamos percebendo – tanto com o exemplo do ensino remoto, quanto do acesso ao Auxílio Emergencial decorrente da Covid-19 – que a inclusão digital é direito do cidadão e dever do Estado. Numa sociedade tão globalizada e digitalizada como a nossa, não se pode falar mais em inclusão social sem inclusão digital.

Enquanto Secretário Municipal de Tecnologia e Inovação de São Paulo, Daniel Annenberg, que aqui também vos escreve, fez sua parte, ampliando a rede “WiFi Livre” de 120 para 360 pontos (até o final de 2020). Com a expansão do wifi público procuramos promover a primeira fase de toda política pública de inclusão: o oferecimento de acesso ao bem – no caso, à internet – à população que reside ou circula pela cidade de São Paulo.

Mas, oferecer acesso não basta. É preciso também qualificar o uso que as pessoas fazem da internet – a segunda fase das políticas públicas de inclusão. Tendo isso em vista, quando na Secretaria Municipal de Inovação e Tecnologia, Daniel Annenberg manteve e melhorou a rede de telecentros, que hoje tem 131 unidades, com mais de 4 milhões de acessos nos últimos três anos. Os telecentros são equipamentos localizados principalmente nas regiões mais vulneráveis da cidade e possibilitam não apenas o acesso livre à internet, mas também a alfabetização digital daqueles que precisam aprender a enviar um email, redigir um currículo ou fazer uma planilha. Também para promover a qualidade no uso da internet foram mantidos 12 FabLabs, espaços em que as pessoas podem aprender fazendo.

A nós, portanto, cabe entender o papel social e de direito da internet, ampliando seu acesso. Não podemos mais admitir que uma parte tão grande da população brasileira siga privada de exercer plenamente a sua cidadania, seja em função das restrições de acesso à internet, seja em razão da falta de habilidades no uso de computadores.”

Floriano Pesaro
Daniel Annenberg

#SPparaTodos #judaismo #jew #internet #pandemia

A lógica do bem-estar social israelense – Hebraica 700

Compartilho nessa noite de domingo meu mais recente artigo publicado na Revista do Clube Hebraica SP sobre o impacto social e as alternativas que temos frente às consequências da pandemia. Leia e compartilhe.

“A lógica do bem-estar social israelense”

Há um assunto que entrou, mais do que nunca, em evidência durante a pandemia do novo coronavirus e – certamente – permanecerá durante algum tempo após ela: o impacto social da crise nos mais vulneráveis. Sobre isso, quase todos os países estão tomando medidas de impacto, muitos deles aumentado o gasto público na área social de maneira recorde, haja vista a previsão de aumento inédito da faixa de pobres no mundo todo. Mas, aqui – dado o grau de imprevisibilidade dos impactos da pandemia – quero focar na necessidade perene das pessoas em vulnerabilidade, independentemente da pandemia. E nesse ponto, temos – também – que olhar para a bem sucedida experiência israelense.

O Brasil possui um sistema único que organiza, disciplina e financia os serviços socioassistenciais, programas, projetos e benefícios sociais que são oferecidos de forma universal com critérios específicos. O Sistema Único da Assistência Social (SUAS) representou um avanço secular nas práticas socioassistenciais brasileiras e inaugurou uma nova era de combate à pobreza, contudo há a impressão que esse sistema e seus serviços não produzem um resultado palpável, fora do âmbito imediato da transferência de renda, que tenha um efeito mitigatório na pobreza.

Essa crítica, ecoada por muitos trabalhadores e estudiosos da Assistência Social, ficou ainda mais clara durante a pandemia do novo coronavirus, quando – embora tenham sido classificados, corretamente, como essenciais – os serviços socioassistenciais não foram assim reconhecidos nem por si, nem pelos governos e nem pela população.

A principal razão desse desconhecimento reside na falta de entendimento do seu papel e, também, na falta da efetividade do seu resultado e as razões para isso merecem um extenso estudo e discussão. Contudo, podemos olhar para Israel como uma interessante abordagem sobre o bem-estar social para nos inspirarmos.

Em Israel, a lógica do bem-estar social esteve presente desde a criação de Eretz Israel numa esquemática bastante próxima a nossa e à europeia: universal na abordagem, no planejamento e no atendimento, características que – não por acaso – nos fazem lembrar o Sistema Único de Saúde (SUS) aqui no Brasil. Contudo, verificando a diluição dos resultados de iniciativas universais frente aos gastos altos direcionados para essa rede de proteção social, o governo israelense resolveu reformar seu sistema de bem-estar social sob a lógica da discriminação positiva em três pilares: fluxo, estoque e ‘buffers’. Os três pontos podem ser traduzidos num vocabulário mais próximo da nossa realidade, como: direcionamento ao emprego, aprimoramento de habilidades e integração social, e assistência aos mais vulneráveis.

Os israelenses, então, mudaram a lógica de construção das políticas públicas sociais para um desenho customizado que considere as particularidades dos grupos mais vulneráveis, inclusive características culturais, sociais e, até religiosas, alcançando um alto índice de retorno do investimento. Exemplo disso é o programa “New Way” desenvolvido pelo Ministério de Aliá e Absorção da Imigração – uma pasta bastante particular de um país que é porto seguro para judeus de todo o mundo – em coordenação com outros ministérios que tem como objetivo integrar as comunidades etíopes na sociedade israelense. Não era o objetivo apenas integrá-las, como colocar suas crianças nas escolas israelenses, mas, coloca-las em pé de igualdade de oportunidades com as crianças israelenses.

Esse é um exemplo da lógica que perpetuou todo o programa desenvolvido em 2015.
Considerando todas as diferenças e particularidades que distinguem Israel do Brasil, é fundamental – ainda mais num momento em que constatamos mais claramente algumas falhas importantes no nosso sistema de bem-estar social – olhar para experiências diferentes daquelas que embasaram a construção do SUAS por aqui. Pode, ou não, ser um caminho para aumentarmos o impacto social positivo dos nossos investimentos e garantimos um futuro de equidade, justiça e humanidade.

Floriano Pesaro
Sociólogo”