Tribuna – O terror e a injustiça social

Amigas e amigos, compartilho para leitura e comentários meu artigo mais recente publicado na TRIBUNA JUDAICA sobre o terrorismo, as ameaças às liberdades e os perigos da desigualdade social.

“O terror e a injustiça social
Floriano Pesaro, sociólogo, ex-Deputado Federal

Os mais sábios da nossa comunidade, nossos rabinos e líderes, sempre nos lembram que não podemos baixar nossa guarda frente ao antissemitismo. A segurança da nossa família e da nossa comunidade e o combate ao terrorismo devem ser nossas prioridades, mas – por vezes – em períodos de relativa paz, acabamos por não as prover da importância necessária. Os recentes ataques terroristas na Europa no último mês, mais marcadamente na França, contudo, nos lembraram de que o extremismo terrorista está, não só vivo, mas próximo e à espreita.
Foram três brutais atentados, dois na França e um na Áustria, este último reivindicado pelo grupo terrorista Estado Islâmico. Embora, até onde se tenha conhecimento, não se trataram de ataques antissemitas, esses três atos covardes atentaram contra as liberdades individuais, de escolha, de pensamento e, certamente, de crença.

Onde não há liberdade, nós, judeus, não estamos seguros e sabemos bem disso.

Para nossa comunidade, ataques terroristas, infelizmente, não são uma chaga recente, já que, considerando apenas a França, desde 1980, os judeus são alvo de atentados. Basta lembrarmos da bomba explodida em frente a União Liberal Judaica de Paris em 1980, ou ainda do ataque a Escola Ozar Hatorah no ano de 2012 em Toulouse. Ou ainda, do mais recente, atentado ao supermercado Hyper Casher, também em Paris, que deixou quatro mortos em 2015.

A França, em especial, tem um grande desafio pela frente e nós devemos acompanhar atentos como ela buscará solucioná-lo nos próximos anos. Há um conflito entre o princípio da laicidade francês e a crescente islamização de sua própria população que, outrora imigrantes, ainda não tomaram para si os valores franceses da liberdade, igualdade e da fraternidade encontrando na religião seu único laço de identificação social.

É sempre bom frisarmos que, por si só, esse fenômeno social não está ligado ao recrudescimento do terrorismo extremista e nem às ameaças a nossa comunidade ou a qualquer outro grupo que exerça sua liberdade em plenitude. Contudo, essa falta de identificação de valores junto da desesperança e de piores condições de vida criam terreno fértil para que os extremistas arregimentem pessoas e as transformem em terroristas que destroem vidas, sonhos e, em última instância, a própria ordem social.

Para quem gosta de referências audiovisuais, tomo a liberdade para recomendar a série de streaming, “Califado”, que, ambientada em Estocolmo e em Raqqa, mostra a estratégia dos terroristas no aliciamento de jovens suecas às organizações promotoras do medo e do ódio. Por meio da sedução e prometendo um “senso de pertencimento”, essas jovens são cooptados e, depois, se veem presas e obrigadas a operarem os atos mais nefastos.

Por isso, enquanto comunidade judaica, é nosso dever denunciar o antissemitismo e, também, as injustiças sociais e os preconceitos. Onde há pobreza e segregação no mundo, há campo fértil para que propagadores do ódio seduzam pessoas descrentes para o terror.

Nós devemos, portanto, sempre ouvir os mais sábios citados no início deste texto. Não baixemos nossas guardas em nenhum lugar do mundo, mas, também, não nos silenciemos diante de atentados de qualquer natureza à liberdade do próximo. Um professor silenciado por exercer livremente sua atividade profissional pode ser o judeu de amanhã atacado por exercer, igualmente livre, sua fé e sua crença.

O compromisso com as liberdades e a democracia é nosso dever enquanto promotores da concertação mundial, do tikun olam.”