Tribuna – O antissemitismo está presente e não tem ideologia

O antissemitismo está presente e não tem ideologia
Floriano Pesaro, sociólogo.


“Por diversas oportunidades, alertei aqui nesta TRIBUNA, que o antissemitismo já não é mais um risco, mas, sim, uma realidade crescente no exterior e mesmo no Brasil na esteira do extremismo político que tem emergido com mais força desde a década passada. Ao mesmo tempo, pela multiplicidade com que pode ser expressado, o antissemitismo é crime que busca tem por parte de seus autores a intencionalidade de confundir-se com opiniões políticas e ideológicas que, por vezes, encobrem o velho preconceito que atinge todas as populações minoritárias e, ou, vulneráveis no mundo.


Neste mês, a StandWithUs Brasil, braço nacional da organização nacional dedicada à profusão da cultura e da educação israelenses como ferramenta de combate ao antissemitismo, produziu um livro guia com exemplos de manifestações antissemitas do passado e do futuro protagonizadas por lideranças de todos os espectros políticos especialmente de seus polos extremistas.


É importante dizer, neste sentido, que não se trata de vedação à liberdade de expressão no exercício da crítica a determinadas políticas exercidas por eventuais governos israelenses de plantão, mas, sim, de um esforço desta organização em pontuar, através do esforço educacional, declarações que utilizam de informações falsas, correlações inexistentes e até de narrativas medievais fantasiosas para manifestar o preconceito contra o povo judeu e Israel como estado judeu.

E não o fazem despretensiosamente: o antissemitismo tem por objetivo a perseguição do povo judeu, como sempre buscou, mas, atualmente o faz através da deslegitimação de Israel como um estado sionista e legal, como é reconhecido pela comunidade internacional. E sendo assim, defender a extinção do estado de Israel ou opor-se à solução pactuada dos dois estados, é, ao fim do dia, cometer antissemitismo na extensão de que a existência de Israel é, senão, a legitimação do lugar do povo judeu no mundo.

Também faz-se uso da confusão em torno das políticas de estado e de governo em Israel: há judeus críticos da política expansionista praticada por governos israelenses, e sobre isso não há qualquer crime. Há também aqueles que defendem a solução de dois estados, que foi encaminhada pelas Nações Unidas – mas, que é rechaçada por grupos extremistas de ambos os lados. Nenhum deles, no entanto, se utilizam da origem judaica como base argumentativa para depreciar a legitimidade de Israel e do povo judeu.
Com a difusão das informações falsas e do extremismo político, foi identificado o aumento do antissemitismo em todo o mundo.

Ainda em referência à publicação do StandWithUs Brasil, enquanto na Alemanha e na França, em 2019, houve o aumento de 60% e 74% respectivamente no número de casos de antissemitismo, no Brasil se proliferam casos em que cidadãos são flagrados ostentando bandeiras e símbolos nazistas em ambientes públicos e privados, na maioria dos casos, sem serem questionadas – o que é ainda mais preocupante.


Por aqui, ainda acompanhamos e são objeto de implacável, imparcial e constante monitoramento por parte da Confederação Israelita do Brasil (Conib), casos em que lideranças políticas relativizam o nazismo o comparando equivocadamente a outros episódios políticos. Houve ainda casos extremos: no último governo federal, o então secretário especial de Cultura chegou a gravar um vídeo com diversas referências textuais e imagéticas ao propagandista nazista, Joseph Goebbels.


No Brasil, desde 2004, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento contra escritor acusado de difundir material antissemita, enquadrou a prática de antissemitismo como parte dos rol do crime de racismo e, portanto, tendo natureza imprescritível.


Assim como o racismo, a homofobia e a misoginia, o antissemitismo é crime condenável e crescente em todo o mundo, o que demanda identificação e responsabilização com especial atenção para que argumentos ideológicos e políticos, de qualquer parte, não sejam utilizados para acobertar o preconceito e a perseguição que, historicamente, se fizeram presentes na trajetória do povo judeu.