O avanço das autocracias no mundo

Floriano Pesaro

O mundo passa por uma confluência de crises que abrange desde uma recém terminada crise sanitária, passando por um forte processo inflacionário e concentrador de renda e culminando num desafiador cenário de deslegitimação de democracias liberais pelo mundo. Estudos recentes evidenciam que esta crise democrática se materializa a partir do funcionamento das redes sociais enquanto “bolhas sociais” e se capilarizam através de um forte movimento de críticas políticas que, apesar das justas motivações, vêm, em certa medida, carregadas de um desejo de deslegitimação da política. A radicalização experimentada em vários países do mundo, inclusive Brasil e Israel, é prova disso.

O ranking global produzido anualmente pelo instituto sueco “V-Dem” classifica os regimes políticos de diferentes países com base em uma série de critérios que dialogam com a saúde da democracia, como, por exemplo, liberdade de expressão, liberdade de imprensa, eleições livres, funcionamento dos parlamentos e atuação do Judiciário, dentre outros. Estes elementos são utilizados para classificar em quatro tipos, os regimes políticos atuais: democracias plenas, democracias falhas, autocracias eleitorais e ditaduras.

Democracias plenas são aquelas em que as liberdades civis e políticas fundamentais são amplamente respeitadas e encorajadas, como Noruega e Uruguai. As falhas têm eleições com resultados reconhecíveis e de ampla participação, no entanto, as liberdades civis são parciais, há exercício errático de direitos e violações à liberdade de imprensa, como Brasil e Israel. Já as autocracias eleitorais, são regimes em que os pleitos têm ocorrência sistemática de fraudes, as liberdades e direitos civis e políticos são outorgados sem o devido republicanismo e há denúncias sistêmicas de corrupção, como Peru e Nigéria. Por fim, as ditaduras são o exemplo clássico de regime fechado sem eleições livres, direitos civis ou poderes independentes, como Coreia do Norte e Cuba.

Em Israel, a dificuldade na composição de um governo após a “era Bibi” é o reflexo na política representativa dessa radicalização e consequente deslegitimação das forças políticas. Seja lá ou aqui, esse processo não gera, no entanto, a ascensão de uma alternativa à política. Ela não existe. Gera, sim, personagens autocráticos que vocalizam os descontentamentos sociais ao mesmo tempo que se locupletam do poder e se perpetuam em seus cargos.

O que chamou atenção na última versão da publicação “V-Dem” foi que, pela primeira vez desde o auge das democracias em 1995, existem no mundo mais autocracias do que democracias plenas. Esse dado certamente dá conta de uma seara de motivações e renderia um livro, como já existem publicados – vide “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, sobre as razões pelas quais as democracias no mundo enfrentam sua pior crise.

As motivações que vem sendo identificadas por estudiosos para esse cenário de degradação democrática são, portanto, variadas e vão desde baixo investimento em educação até altos níveis de desigualdade social. No entanto, atemo-nos aqui à questão do criticismo político fomentado pelo avanço das redes sociais e, particularmente, fruto da manipulação dos algoritmos que fomentam bolhas de opinião e favorecem radicalismos.

Esse processo fomentado notadamente por correntes políticas de extrema-direita geraram um forte movimento de deslegitimação das forças políticas em vários países do mundo levando à eleição de dirigentes que, em casos extremos, contribuíram para o aumento das autocracias assim percebidas no levantamento da “V-Dem”.

É direito, é preciso e é positivo que se critique e se levante, sem nunca condenar todo um poder, seja ele político ou judiciário, ou sucumbir à negação da política ou da democracia. Se há dificuldades no regime democrático, certamente existem maiores delas em regimes autocráticos, a diferença é a cortina que impede que sejam vistas.