Israel é um país judeu e democrático

Floriano Pesaro, sociólogo

Israel é um país judeu e democrático. Essas sempre foram as duas premissas que melhor definiram este pedaço sagrado de terra bem no meio do Oriente Médio. No entanto, a polarização política e a ascensão de governos com viés autoritário não escaparam à realidade israelense e, hoje, na disputa sobre o sistema judicial do país, mostram sua mais evidente presença e colocam um dos maiores desafios da história de Israel diante de nossos olhos.

Já não é novidade, mas percebeu-se aumento, no número de reservistas israelenses que deixam o IDF, Israeli Defense Forces, ou o exército israelense, desde que as discussões acaloradas sobre as propostas do atual governo, liderado por Benjamin Netanyahu numa coalizão de verniz bastante conservador, de reforma no sistema judiciário do país. Ocorre que, após a aprovação da primeira parte desta lei no parlamento, segundo relatos não oficiais, cerca de 700 aviadores teriam deixado seus postos, de acordo com o jornal The New York Times.

Para que compreendamos esse processo com mais clareza, é preciso entender qual é o papel do cidadão reservista em Israel, a significância do IDF para a sociedade e o que se pretende com a reforma judicial proposta pelo governo.

Salvo alguns casos relacionados ao exercício da religião e algumas minorias árabes, o serviço militar em Israel é obrigatório e, em grande parte dos casos, é realizado por dois anos, logo após que os jovens, tanto homens como mulheres, cumprem sua formação escolar. Alistar-se é, no entanto, motivo de orgulho e materializa uma preocupação muito vívida no cotidiano de qualquer israelense: a defesa do próprio território que é constantemente ameaçada.

Diferente, por exemplo, do que temos no Brasil, prestar serviço nas Forças Armadas significa defender, não metaforicamente, mas de maneira bastante palpável sua nação, seu território, sua comunidade, sua família e seus amigos. Por isso, mesmo após o período obrigatório, os reservistas, aqui mais um ponto de diferença com a realidade brasileira, cumprem papel fundamental no desenvolvimento dos trabalhos do IDF, uma vez que, por terem mais experiência, são constantemente chamados para, por algum período, apoiar na formação dos novos soldados.

Já sobre a proposta de reforma judicial, antes de entender a primeira parte aprovada no último mês no Knesset, é preciso compreender o todo proposto pelo vice-primeiro ministro e ministro da Justiça, Yariv Levin: o pacote que levou milhares de israelenses às ruas das cidades do país em protesto pressupõe a possibilidade de invalidar decisões tomadas pela Suprema Corte do país com maioria simples de votos do Congresso; ampliação do Comitê de Seleção Judicial de nove para onze membros, sendo dois deles indicados pelo presidente da Suprema Corte sob possibilidade de veto do ministro da Justiça; o cancelamento do princípio da “razoabilidade”, sobre o qual o governo israelense alega que a Suprema Corte acaba interferindo nas decisões do Executivo; dentre outros pontos.

Qualquer paralelo com críticas feitas recentemente à atuação do Judiciário brasileiro, não é mera coincidência: governos de perfil mais autoritário, ainda que em sistemas democráticos, tem tido parte de suas ações bloqueadas pelos sistemas judiciais mundo afora em razão do princípio de “pesos e contrapesos”, ou seja, do equilíbrio entre os poderes de uma República, quais sejam, Executivo, Legislativo e Judiciário.

Lá e aqui suscitam propostas que visam coibir ou fustigar a legitimidade e os ferramentais sobre os quais as mais altas cortes do país se utilizam para garantir a constitucionalidade das medidas do governo, em um paralelo, o que chamam de “princípio da razoabilidade” em Israel.

Nesse sentido, o governo israelense teve sucesso recentemente, como dito no início do artigo, ao aprovar, justamente, a primeira parte desse pacote de reforma: a extinção da “razoabilidade”, ou seja, da possibilidade de que o Judiciário intervenha e interrompa ou suspenda alguma ação do Executivo. Fica aberto o caminho presente e futuro para que decisões públicas de cunho autoritário não sejam mais questionadas.

A polarização, mais uma vez manifestada neste caso, ganha corpo com as redes sociais e se materializam com governos autoritários com propostas inflamatórias a ponto de fustigarem a união mesmo em torno de símbolos nacionais, tais como o serviço militar israelense, ou, deste lado do mundo, até mesmo a folia do carnaval brasileiro.