Hebraica: “Ainda é fundamental discutirmos o machismo”

“Ainda é fundamental discutirmos o machismo
Floriano Pesaro, sociólogo.

Historicamente, todos os momentos em que grupos minorizados avançam na conquista de direitos e representação na sociedade, logo em seguida, vem um movimento de revés. Como uma reação em todo o mundo, estamos vendo no caso das mulheres, aumentarem as denúncias de violência, principalmente, doméstica nas suas mais variadas formas: física, mental, sexual e até financeira. São suspiros de um tempo passado que precisam ser apontados, denunciados e discutidos. Recentemente, Brasil e Israel tiveram, mais uma vez – infelizmente, “casos-exemplos” de como o machismo se traduz, no limite, numa terrível e incompatível violência.

O primeiro movimento organizado que buscou mudar o estatuto jurídico de inferioridade das mulheres – muito comum em quase todos os países ocidentais até o século IX – teve início na Revolução Francesa, onde mulheres não só eram alijadas do processo eleitoral, como de toda a participação ativa na sociedade. Até mesmo a violência física e sexual por parte dos maridos era tida como aceitável. Com idas e vindas, o movimento feminista iniciou uma série de vitórias – mais notadamente nos países ocidentais – a partir do fim da Segunda Guerra Mundial com a massiva adesão de países ao voto feminino. Foi, contudo, em 1857, no dia 8 de março, que o movimento feminista passaria a conquistar vitórias nas mais diversas áreas da sociedade com uma ação policial durante protesto de mulheres numa fábrica têxtil em Nova Iorque com 129 delas mortas.

No mês passado, dois casos exemplificaram duas distintas facetas do machismo, mas intrinsicamente conectadas. Em primeiro lugar, o caso do jogador de futebol, Robinho, que – após condenado pela justiça italiana em primeira instância – teve a investigação com áudios em que admitia participar da violência sexual publicada nos veículos de comunicação. Esse é um caso bastante típico de violência contra a mulher repudiado pela massiva parcela da sociedade e, cada vez mais, reprimido pelas leis em todo o mundo. Contudo, um aspecto desse caso nos chamou atenção. Robinho, num dos áudios publicados, expôs que não considerava ter participado do crime sexual. Há, ainda, na nossa sociedade a dificuldade em definir o que é um caso de violência sexual. Qualquer contato físico desautorizado ou numa situação em que a mulher não esteja na plenitude de suas faculdades mentais é uma violência e, portanto, é um crime.

O segundo caso aconteceu em Israel e foi protagonizado por alguns membros do Knesset – o Congresso israelense – durante as discussões para uma nova lei que combata o abuso financeiro contra a mulher. Essa é uma faceta do machismo ainda desconhecida, mas historicamente presente. A violência financeira se caracteriza quando a mulher é subjugada pelo homem em virtude do controle das finanças da família. No episódio israelense, a organização da sociedade civil, Politcally Corret, que luta pelos direitos das mulheres, veio à público denunciar que membros da Knesset tiveram reações machistas e se opuseram ao projeto de lei que previa medidas preventivas para mulheres vítimas de violência que foram, além de traumatizadas, endividadas pelos seus maridos dificultando sua reinserção social. A organização disse que a reação de alguns parlamentares lembrou vozes conservadoras que se levantaram quando a Knesset tornou proibida a prática do “estupro matrimonial” nos anos 80. Sim, até os anos 80, o estupro dentro do casamento não era considerado crime, não só em Israel, mas em diversos países ocidentais. Ainda hoje, é bastante comum nos países árabes.

Esses são dois casos que mostram a necessidade da contínua revisão dos padrões machistas que, ainda, regem nossa sociedade. Longe de querer uma outra forma de dominação, é missão de todos nós – homens e mulheres – garantir uma sociedade com igualdade de oportunidades e de respeito para todos os gêneros.

No episódio que envolveu o jogador de futebol, fica clara a necessidade da educação para o convívio social desde as escolas. Ensinar a respeitar os outros e seus espaços individuais – que deveriam ser invioláveis. No caso israelense, a maneira estrutural e ampla com a qual o machismo se traduz na sociedade fica latente. A independência financeira da mulher é, sim, mais que uma escolha individual, uma situação que deve ser perseguida pelas políticas públicas. No Brasil, tivemos o primeiro movimento nesse sentido com a construção da sistemática de pagamentos do Bolsa Escola – o qual tive participação enquanto criador e gestor ao lado do ex-Ministro da Educação do Governo FHC, Paulo Renato Souza. No âmbito do programa, as mulheres eram as titulares do benefício por meio de cartão eletrônico registrado em seus nomes, garantindo o papel da mulher no núcleo familiar.

Embora já tenhamos caminhado bastante, o machismo está intrínseco na sociedade. Ainda precisa ser objeto de ampla discussão ao notarmos – cada vez mais – seus efeitos diretos e indiretos para as mulheres, seja no âmbito financeiro – em especial na diferença salarial – ou na definição do que é compreendido, ou não, enquanto violência contra a mulher.”