03/11 – Para onde vamos?

O SR. FLORIANO PESARO (PSDB) – Sr. Presidente, nobres Vereadores, amigos telespectadores da TV Câmara, amigos da galeria, num artigo brilhante do nosso ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, no jornal O Estado de São Paulo, lê-se: “A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio ‘talvez’ porque alguns estão de tal modo inebriados com ‘o maior espetáculo da Terra’, de riqueza fácil que beneficia poucos, que tenho dúvidas.

Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas e a discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes.

Tornou-se habitual dizer que o Governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e, ainda por cima, melhorou muita coisa. Então, por que e para que questionar pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei federal? Só que cada pequena transgressão, cada pequeno desvio vai se acumulando até desfigurar o original.

Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. É isso que denuncio hoje. Método que, provavelmente, não advém do nosso príncipe, mas apenas vítima, quem sabe, da apoteose verbal.

Mas tudo que o cerca possui um DNA, mesmo sem conspiração alguma pode levar o país, devagarzinho, sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com os nossos ideais democráticos.

É possível escolher ao acaso os exemplos de “pequenos assassinatos”. Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada e mal-ajambrada? Mudança que nem sequer pode ser apresentada como uma bandeira “nacionalista”, pois, se o sistema atual de concessões fosse “entreguista”, como afirma o PT, deveria ter sido banido, e não foi, até o presente momento, no penúltimo ano de governo do Presidente Lula.

“Apenas se juntou a ele o sistema de partilha, sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública.

Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares, se o processo de seleção não terminou? Por que tanto ruído e tanta ingerência governamental numa companhia privada como a Vale, que gera maior quantidade de impostos e de empregos em números absolutos ao País, que se não é totalmente privada, possui capital misto regido pelo estatuto das empresas privadas?

Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem nenhum pudor, passear pelo Brasil às custas do Tesouro, tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso, exibindo uma candidata claudicante?

Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?

Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do “autoritarismo popular” vai minando o espírito da democracia constitucional. Esta supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Na contramão disso tudo, vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar, quando os ‘projetos de impacto’, alguns dos quais viraram ‘esqueletos’, quer dizer, obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis, animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos : ‘Brasil, ame-o ou deixe-o.’

Em pauta, temos a Transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no Orçamento e minguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo Tribunal de Contas da União, ora atacado diretamente pelo Presidente da República.

“Não importa, no alarido da publicidade, é como se povo já fruísse os benefícios: ‘Minha Casa, Minha Vida’; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de slogans, pré-sal para todos.

Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo Brasil Potência’. Até mesmo a apologia da bomba atômica como instrumento para que cheguemos ao Conselho de Segurança da ONU – contra a letra expressa da Constituição Federal – vez por outra defendida por altos funcionários, sem que se pergunte à cidadania qual é o melhor rumo para o Brasil.

Até porque o presidente já declarou que, em matéria de objetivos estratégicos – como a compra dos caças – ele resolve sozinho. Pena que tenha esquecido de acrescentar: L’Etatc’est moi – O Estado sou eu. Mas não se esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisávamos de aviões de caça para defender o ‘nosso pré-sal’.

Está bem, tudo muito lógico. Pode ser grave. Mas, dirão os realistas, o tempo passa e o que fica são os resultados. Entre esses, contudo, há alguns preocupantes. Se a lógica dos despautérios é uma só, a do poder, sem limites.

Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo. Esse último tem método, Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados. Foi no ‘dedaço’ que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI, o Partido Revolucionário Institucional. Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições sobrará um ‘subperonismo’ – ou ‘lulismo’ – contagiando os doces fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, as forças dos fundos de pensão. Essas são as ‘estrelas novas’. Surgiram no firmamento, mudaram de trajetória e nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas, recebem deles o abraço da morte. Com uma ajudinha do BNDES, então, fica tudo perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.

Ora, dirão – já que falei de estrelas -, os fundos de pensão constituem a mola da economia moderna. É certo, nós concordamos com isso, só que os nossos pertencem a funcionários de empresas públicas. Ora, nessas, o PT, que já dominava a representação dos empregados, domina agora a dos empregadores também o Governo. Com isso os fundos se tornaram instrumentos de poder político, não propriamente de um partido, mas de um segmento sindical corporativo que o domina.

No Brasil, os fundos de pensão não são apenas acionistas, não – com a liberdade de vender e comprar em bolsas -, mas gestores que participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas, ou privatizadas ainda na época do Governo do Presidente Fernando Henrique.

Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o ‘subperonismo-lulista’ se sustentará no futuro, e se ganhar as eleições.

Comecei com a palavra: ‘para onde vamos?’ Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde.”

Cedo o aparte para o nobre Vereador José Américo para o contraditório, para que possamos ter um debate saudável nesta Casa.

Muito obrigado, Sr. Presidente.