OrbisNews: A relatividade da percepção e a política da escuta

Por Floriano Pesaro

A teoria da relatividade da percepção, apresentada com fina ironia por Bertrand Russell, filósofo, matemático britânico e Prêmio Nobel de Literatura, é uma poderosa lente para entender a política e as relações sociais. Ao afirmar que “leões e panteras são inofensivos, mas tome cuidado com galinhas e patos”, segundo o que uma minhoca teria dito a seus filhos, Russell nos provoca a refletir: o que parece seguro ou perigoso depende sempre de quem observa. O risco, o valor, o certo ou o errado, tudo é relativo à posição de quem sente.

Na política e na gestão pública, essa lógica se impõe diariamente. Governar é, muitas vezes, administrar percepções. Compreender o lugar do outro, sua história, seus medos, suas necessidades, é essencial para tomar decisões justas, eficazes e socialmente legítimas.

Fui gestor público na área da assistência social na capital de São Paulo e, depois, secretário de Estado do Desenvolvimento Social. Em ambas as funções, pude vivenciar de perto como percepções distintas sobre uma mesma política pública geram reações opostas, e como a escuta e o diálogo são fundamentais para o bom governo.

Lembro, por exemplo, das reações quando era necessário abrir um abrigo para pessoas em situação de rua. Muitos moradores do entorno manifestavam resistência, temendo impacto na segurança ou no cotidiano da vizinhança. Mas do outro lado estavam homens e mulheres que precisavam de acolhimento, dignidade e proteção, especialmente em dias de frio intenso. O mesmo se repetia na abertura de abrigos para crianças e adolescentes abandonados por suas famílias, enquanto parte da população questionava a presença dessas unidades, bastava ouvir os profissionais da rede ou as próprias crianças para entender que se tratava de uma urgência humana.

Um caso que me marcou especialmente foi a criação do primeiro Centro de Referência da Mulher na cidade de São Paulo. Alguns criticaram o projeto por considerá-lo um espaço “segmentado”. No entanto, bastava ouvir as vítimas de violência doméstica para compreender que aquele espaço não era um privilégio, mas uma necessidade. Ali se ofereciam proteção, escuta, recomeço. Era mais do que um equipamento social: era um espaço de reconstrução da dignidade.

Esses episódios mostram que as percepções não são obstáculos à boa política, são parte central dela. Uma gestão eficaz não ignora o medo ou a incompreensão. Ao contrário, enfrenta esses sentimentos com escuta ativa, empatia e disposição para explicar, negociar e ajustar.

A teoria da relatividade da percepção nos ensina que a verdade absoluta é uma ilusão perigosa. O gestor que desconsidera os diferentes olhares da sociedade corre o risco de fracassar, mesmo que tecnicamente esteja certo. Já aquele que escuta, inclusive o que parece irracional, amplia sua capacidade de governar com justiça e eficácia.

Como disse Bertrand Russell, “o problema da humanidade é que os estúpidos são excessivamente confiantes e os inteligentes cheios de dúvidas”. Talvez a dúvida, quando acompanhada da escuta sincera, seja uma das maiores virtudes na vida pública. Afinal, toda minhoca tem seus predadores. E toda política eficaz nasce do reconhecimento sincero das diferenças.