OrbisNews: A mente brilhante de John Nash e a geopolítica do século XXI

Por Floriano Pesaro

O século XXI exige lentes cada vez mais sofisticadas para compreender os movimentos do tabuleiro global. Em meio à ascensão da China, às tensões com os Estados Unidos, à fragmentação das cadeias produtivas e à reorganização das alianças estratégicas, é curioso notar que uma das ferramentas analíticas mais poderosas que temos hoje nasceu da mente de um matemático do século passado: John Forbes Nash.

Conhecido por seu trabalho sobre teoria dos jogos, Nash não apenas revolucionou a matemática e a economia, mas também ofereceu ao mundo um modelo conceitual, o famoso Equilíbrio de Nash, capaz de explicar comportamentos estratégicos em ambientes complexos, interdependentes e, muitas vezes, conflituosos.

O Equilíbrio de Nash descreve uma situação em que nenhum agente envolvido tem incentivo para alterar sua estratégia de forma unilateral, pois qualquer mudança isolada não traria benefício adicional. A genialidade desse conceito está justamente em sua capacidade de revelar padrões de estabilidade mesmo em contextos marcados por competição intensa.

Hoje, essa lógica é fundamental para compreender a política internacional. A disputa entre China e Estados Unidos, por exemplo, não pode ser analisada como um jogo de soma zero, em que um lado vence e o outro perde. Ambos os países operam com base em incentivos e limitações que moldam seus movimentos. E mesmo em cenários de tensão, como as guerras comerciais ou os embargos tecnológicos, há uma racionalidade estratégica, ainda que tensa, que remete diretamente à lógica proposta por Nash.

Mais do que um modelo matemático, o legado de Nash nos convida a pensar a geopolítica como um sistema de escolhas interdependentes. Nenhum país atua isoladamente. As ações de um influenciam e são influenciadas pelas reações dos demais. Essa é, aliás, a essência da interdependência estratégica, conceito que também deve nortear nossas políticas públicas e decisões de Estado.

Mas a teoria dos jogos não se restringe ao campo internacional. Ela é uma poderosa lente para o mundo corporativo, institucional e até mesmo pessoal. No cotidiano profissional, lidamos o tempo todo com cenários em que decisões dependem de outras decisões, seja em uma negociação entre áreas, na gestão de conflitos, na condução de projetos estratégicos ou na formulação de políticas públicas.

Saber aplicar os princípios da teoria dos jogos significa considerar os incentivos, os interesses e as possíveis reações de cada agente envolvido. Em vez de buscar ganhos imediatos ou ações isoladas, desenvolve-se a capacidade de pensar estrategicamente, construir soluções cooperativas e evitar armadilhas do curto-prazismo.

Em lideranças públicas ou privadas, a teoria dos jogos nos ajuda a planejar melhor, a antecipar movimentos, a desenhar estruturas de incentivo mais eficazes e, sobretudo, a tomar decisões mais informadas e responsáveis. Ela nos convida a olhar o todo, e não apenas a nossa peça no tabuleiro.

A trajetória pessoal de Nash, marcada pelo gênio e pelo sofrimento, eternizada no filme Uma Mente Brilhante, nos lembra que grandes ideias nascem da complexidade da mente humana. Sua contribuição vai além dos cálculos: é uma proposta ética de reconhecimento mútuo em um mundo onde todos são jogadores, conscientes ou não, de um jogo coletivo.

Em tempos de transição global, em que velhas certezas ruem e novas alianças se formam, retomar a teoria dos jogos é mais do que um exercício intelectual. É um ato de lucidez política e profissional. É enxergar que, para construir estabilidade, é preciso compreender os limites do outro, reconhecer seus interesses e operar dentro de um campo de possibilidades reais.

É por isso que, em meio às incertezas da nova ordem mundial, e dos desafios do nosso cotidiano, a mente brilhante de John Nash permanece mais atual do que nunca.